16 fevereiro 2012

QUEM DÁ MAIS?

“Tempo é dinheiro” diz o ditado popular, e na escola disseram-nos que o dinheiro é “o instrumento geral de troca”, qualquer coisa é mercadoria e se compra ou vende e assim se faz funcionar o mercado.
Até Jesus Cristo foi vendido por 30 dinheiros! Antes disso teve ele próprio um desacato com cambistas, além da vez em que o quiseram embaraçar sem sucesso ao considerar as duas faces da moeda dizendo que deviamos dar a Deus o que é de Deus e a César o que lhe pertence. Sempre omnipresente o deus - dinheiro.
Na linguagem atual, já não somos sequer designados como pessoas mas como consumidores, gente que gasta dinheiro para comprar e consumir o necessário e o supérfluo. Nestes tempos de crise económica, gastamos mesmo demais. Troika, políticos europeus e nacionais, bancos e agências de notação financeira não param de nos avisar que tudo gira à volta de dinheiro. Os funcionários públicos mais do que os restantes portugueses sentem no fim do mês que o Estado lhes foi ao bolso, sacou-lhes dinheiro dos salários e resta-lhes apenas apertar mais o cinto. Pior estão os desempregados com o magro subsídio de desemprego, se a ele tiverem direito, o que não é o caso para muitos jovens.
A nossa relação com o dinheiro é complexa. Ninguém se queixa de o ter demais, só de menos!
Claro que há umas pessoas consideradas um pouco estranhas que fazem voto de pobreza, não têm dinheiro pessoal, mas mesmo aí o assunto é historicamente ambíduo, não há memória de alguém numa ordem religiosa ter morrido de fome, de frio, sem-abrigo; pelo contrário cada um/a é acolhido/a no seio dos seus irmãos em religião, o que, convenhamos, parece um pouco confortavemente burguês e seguro nos tempos que correm. Ter casa, mesa e roupa lavada até ao fim dos seus dias em troca de comunitariamente partilhar, entre outras coisas, o dinheiro, até parece atrativo.
Provavelmente as ordens religiosas teriam mais candidatos se não houvesse igualmente os votos de obediência e castidade. Quanto à pobreza, à falta de dinheiro, começamos a estar habituados, de algum modo todos fazemos involuntariamente tal voto. Só que no nosso caso não é de livre vontade nem vem associado aos outros dois.
Sabemos que Jesus andava sem dinheiro, conversou mesmo com os companheiros sobre quanto dinheiro havia entre eles para poderem dar de comer aos que O queriam ouvir. O que o Evangelho refere é que houve pão e peixe em abundância e ainda sobrou.
Dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, o pão-nosso de cada dia, tornou-se o lugar de encontro de toda a gente, com dinheiro ou sem ele, no trabalho e no lazer, na multidão festiva das bodas, na ceia, na última e nas anteriores, junto ao poço da água viva, enfim transformou-se no lugar teológico do cruzamento do humano e do divino na Eucaristia. E não consta que houvesse peditório…ou se o fizeram as duas moedinhas da mulher que deu tudo o que tinha valiam tanto como todo o dinheiro do cobrador de impostos, arrependido (não, não se usava ainda fraque naquele tempo).
Até o oficialmente chamado Estado da Santa-Sé tem o poder de cunhar moeda, usa o Euro, simplesmente tem o mesmo valor que os nossos euros. Igualzinho aos outros países “a sério”. Que diria o fundador do cristianismo sobre tal sistema financeiro? Desconfio que fustigaria alguns cambistas atuais…
Mas o dinheiro de que eu gosto mesmo, e desse ainda hoje gosto muito e até sou avarenta, é do dinheiro de chocolate. Aquelas moedinhas a fingirem de ouro que me davam de presente. Como não cabiam no porta-moedas só se podiam arrumar no estômago, essas sim, saciavam agradavelmente. (Se para entrar no Reino é preciso fazer-se criança, neste caso particular enquadro-me neste perfil infantil).
Ora a crise deixa-nos a todos sem dinheiro para brioches, chocolates ou afins, mas permite-nos reorganisarmos as nossas prioridades na gestão desse bem escasso que é o nosso dinheiro e à maneira de Jesus e dos Díscipulos arranjar cestos de pão e peixe para que todos possam ser convidados à festa, até os coxos, os estropiados que vivem na margem da sociedade até à pouco considerada rica; isto é de nós mesmos.
Se conseguirmos arranjar tempo para iniciativas de partilha inclusiva, esse “tempo é dinheiro!” É mesmo melhor que chocolate. É por exemplo o caso do Movimento 1 €, uma interessante iniciativa de solidariedade que vale a pena conhecer em
http://movimento1euro.com/.
E no entanto quase todas as utopias propõem um mundo sem dinheiro. “A cada um segundo as suas necessidades, de cada um segundo as suas capacidades!” Uma máxima bastante sedutora e ótimista. Na nuvem negra da crise, criatividade e ótimismo precisam-se. Quem dá mais?

AFF
16-02-2012

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