Tenho uns amigos que sendo pessoas de fé, profundamente crentes por palavras e por obras, passaram à categoria que Clara Pinto Correia tão bem classificou referindo-se a si-mesma como “católica em autogestão”. Estão se “nas tintas” para a hierarquia da Igreja Católica, o que ela diz e o que faz!
Deixaram de se irritar, de aplaudir, de criticar e de comentar. A estrutura da Igreja e o seu modo de o ser é-lhes indiferente, consideram-na irrelevante para as suas vidas, assim como a forma como a Igreja se relaciona com a sociedade. O risco de cisma silencioso de que falam os teólogos é provavelmente o que se passa nesta atitude.
Nos últimos anos temos seguido a “telenovela romanesca estilo Dan Brown” que se tem desenrolado com episódios que vão da pedofilia, às lutas de poder nos bastidores da cúria do Vaticano, até aos dinheiros de proveniência e aplicações pouco católicas, passando pela condenação de teólogos e da recusa firme em abrir sequer o debate sobre questões como a ordenação de padres casados, a das mulheres ou o fim do celibato obrigatório.
Tudo isto são questões que felizmente, têm vindo a público, mas os aspetos relevantes que a mensagem da Igreja transporta, a Boa Nova, corre o risco objectivo de nunca chegar aos destinatários, isto é, a toda a gente, perdendo-se nos meandros desta teia de intrigas e de golpes mais ou menos palacianos...
Bento XVI faz 7 anos de pontificado esta semana. Não lhe invejo a sorte. A cadeira de Pedro tem sido quase sempre um lugar solitário, com pompa e circunstância mas com uma missão impossível, (a não ser que o Espírito Santo cumpra o prometido). Está rodeado de gente que vive num mundo fechado, uma gerontocracia de idade e sobretudo de mentalidade que procurou fazer uma leitura interpretativa do Concílio Vaticano II “contornando-o”, mudando alguma coisa para que tudo ficasse na mesma, e conseguiram-no, até ver!
Nem mesmo os integristas Lefèbvreanos da Fraternidade São Pio X parecem contentes, para eles ainda há demasiado progressismo em Roma. Quanto aos “perigosos progressistas” que se têm manifestado um pouco por todo o lado mas particularmente na Áustria e Alemanha, nem se fala; descontentes por verem a pesquisa teológica encurralada nos limites da linha predominante na congregação da doutrina da fé, e por verem que a gestão corrente das paróquias e outras estruturas não se pode continuar a fazer de modo clerical, apenas reivindicam o que o concílio já tinha aberto; a janela do vento de mudança de uma Igreja fechada sobre si-mesma para que se transforme cada vez mais em Igreja lugar de interpelação de todo o Povo de Deus.
As formas desastradas como têm sido, muitas vezes, tratadas as pessoas que vivem situações fraturantes como o divórcio e o novo casamento, as uniões de facto, etc. e o pensamento oficial da Igreja sobre essas questões, leva a que muita gente reaja ao Magistério simplesmente ignorando-o. Não o fazem por qualquer má vontade particular para com a hierarquia católica, mas passam ao lado.
Um dos meus amigos teve a correr durante vários anos um processo de nulidade de um primeiro matrimónio numa das dioceses de Portugal, casou-se de novo e queriam ambos casar-se não só à face à sociedade civil mas queriam-no fazer na Igreja como expressão da fé que ambos partilham e praticam. Ainda não obtiveram a solução do caso. Acontece que ele enviuvou entretanto. Perguntei-lhe se, em vista da sua nova situação, sempre queria casar pela Igreja. Respondeu-me que não, agora já não faz sentido. Sentiram-se sempre casados perante Deus mas os seus ministros na terra foram tão burocratas que os fizeram perder a paciência. Deixou de ser relevante!
São mais uns católicos em autogestão. Já não se irritam, não comentam, só lamentam. E “dão o desconto” porque sabem bem que todos transportamos o tesouro em vasos de barro.
O “Movimento Nós Somos Igreja” não desiste, não fica indiferente, não considera irrelevante o modo de ser Igreja, a afirmação do nome é isso mesmo. Não é uma ameaça de cisma, mas muito pelo contrário é um manifesto por querer continuar a contribuir com a sua quota-parte para uma Igreja que seja mais fiel ao seu Senhor, que mostre a bondade e o acolhimento em vez de um catálogo de normas e de interditos. Ser perita em humanidade é afinal procurar reconhecer os sinais de Deus na História e nas histórias pessoais que cada homem e mulher vão vivendo nos quatros cantos do mundo.
A útil iniciativa da conferência episcopal portuguesa de lançar um grande inquérito sociológico sobre a situação dos católicos portugueses mostra uma diminuição de laços de pertença efectiva à Igreja. Menos 2 milhões do que os dados anteriores! Este afastamento para a autogestão e/ou a indiferença deve ser também uma oportunidade de mudança radical de paradigma eclesial. Como se verifica, este caminho já não serve. Há que procurar outros, sem aquele hábito de reciclar formas pastorais passadas como se fossem nova evangelização!
Se nada se fizer de realmente novo continuará a verificar-se o que estes meus amigos fizeram, fecharam a porta de mansinho, sem barulho. Simplesmente porque a Igreja se lhes tornou irrelevante.
AFF
16-04-2012
Deixaram de se irritar, de aplaudir, de criticar e de comentar. A estrutura da Igreja e o seu modo de o ser é-lhes indiferente, consideram-na irrelevante para as suas vidas, assim como a forma como a Igreja se relaciona com a sociedade. O risco de cisma silencioso de que falam os teólogos é provavelmente o que se passa nesta atitude.
Nos últimos anos temos seguido a “telenovela romanesca estilo Dan Brown” que se tem desenrolado com episódios que vão da pedofilia, às lutas de poder nos bastidores da cúria do Vaticano, até aos dinheiros de proveniência e aplicações pouco católicas, passando pela condenação de teólogos e da recusa firme em abrir sequer o debate sobre questões como a ordenação de padres casados, a das mulheres ou o fim do celibato obrigatório.
Tudo isto são questões que felizmente, têm vindo a público, mas os aspetos relevantes que a mensagem da Igreja transporta, a Boa Nova, corre o risco objectivo de nunca chegar aos destinatários, isto é, a toda a gente, perdendo-se nos meandros desta teia de intrigas e de golpes mais ou menos palacianos...
Bento XVI faz 7 anos de pontificado esta semana. Não lhe invejo a sorte. A cadeira de Pedro tem sido quase sempre um lugar solitário, com pompa e circunstância mas com uma missão impossível, (a não ser que o Espírito Santo cumpra o prometido). Está rodeado de gente que vive num mundo fechado, uma gerontocracia de idade e sobretudo de mentalidade que procurou fazer uma leitura interpretativa do Concílio Vaticano II “contornando-o”, mudando alguma coisa para que tudo ficasse na mesma, e conseguiram-no, até ver!
Nem mesmo os integristas Lefèbvreanos da Fraternidade São Pio X parecem contentes, para eles ainda há demasiado progressismo em Roma. Quanto aos “perigosos progressistas” que se têm manifestado um pouco por todo o lado mas particularmente na Áustria e Alemanha, nem se fala; descontentes por verem a pesquisa teológica encurralada nos limites da linha predominante na congregação da doutrina da fé, e por verem que a gestão corrente das paróquias e outras estruturas não se pode continuar a fazer de modo clerical, apenas reivindicam o que o concílio já tinha aberto; a janela do vento de mudança de uma Igreja fechada sobre si-mesma para que se transforme cada vez mais em Igreja lugar de interpelação de todo o Povo de Deus.
As formas desastradas como têm sido, muitas vezes, tratadas as pessoas que vivem situações fraturantes como o divórcio e o novo casamento, as uniões de facto, etc. e o pensamento oficial da Igreja sobre essas questões, leva a que muita gente reaja ao Magistério simplesmente ignorando-o. Não o fazem por qualquer má vontade particular para com a hierarquia católica, mas passam ao lado.
Um dos meus amigos teve a correr durante vários anos um processo de nulidade de um primeiro matrimónio numa das dioceses de Portugal, casou-se de novo e queriam ambos casar-se não só à face à sociedade civil mas queriam-no fazer na Igreja como expressão da fé que ambos partilham e praticam. Ainda não obtiveram a solução do caso. Acontece que ele enviuvou entretanto. Perguntei-lhe se, em vista da sua nova situação, sempre queria casar pela Igreja. Respondeu-me que não, agora já não faz sentido. Sentiram-se sempre casados perante Deus mas os seus ministros na terra foram tão burocratas que os fizeram perder a paciência. Deixou de ser relevante!
São mais uns católicos em autogestão. Já não se irritam, não comentam, só lamentam. E “dão o desconto” porque sabem bem que todos transportamos o tesouro em vasos de barro.
O “Movimento Nós Somos Igreja” não desiste, não fica indiferente, não considera irrelevante o modo de ser Igreja, a afirmação do nome é isso mesmo. Não é uma ameaça de cisma, mas muito pelo contrário é um manifesto por querer continuar a contribuir com a sua quota-parte para uma Igreja que seja mais fiel ao seu Senhor, que mostre a bondade e o acolhimento em vez de um catálogo de normas e de interditos. Ser perita em humanidade é afinal procurar reconhecer os sinais de Deus na História e nas histórias pessoais que cada homem e mulher vão vivendo nos quatros cantos do mundo.
A útil iniciativa da conferência episcopal portuguesa de lançar um grande inquérito sociológico sobre a situação dos católicos portugueses mostra uma diminuição de laços de pertença efectiva à Igreja. Menos 2 milhões do que os dados anteriores! Este afastamento para a autogestão e/ou a indiferença deve ser também uma oportunidade de mudança radical de paradigma eclesial. Como se verifica, este caminho já não serve. Há que procurar outros, sem aquele hábito de reciclar formas pastorais passadas como se fossem nova evangelização!
Se nada se fizer de realmente novo continuará a verificar-se o que estes meus amigos fizeram, fecharam a porta de mansinho, sem barulho. Simplesmente porque a Igreja se lhes tornou irrelevante.
AFF
16-04-2012
Excelente post! Esta é a realidade nua e crua: a forma mais cómoda que as pessoas encontraram para resistir é debandar, de mansinho. Não as critico. Frente a uma instituição tão esclerosada, torna-se uma reação psiquicamente saudável. Mas é preciso resistir abertamente, quando a justiça está em questão. Bem haja.
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