Nestas matérias de fé, ou sobre o amor que na palavra de Jesus nos une e ilumina, não é linear nem lógico o pensamento. Descubro a frase do Frei Bento Domingues: “A fé cristã não é um calmante, mas um excitante da inteligência e dos afetos,” disse o Frei Bento no domingo, 29 de Janeiro deste ano. A partir daqui, vêm-me os fragmentos de pensar, a compor-se uns e outros como uma tela ou um bordado em construção. E porque todos os passos desta vida podem ter um significado, aqui vos conto um caso que eu soube, pela notícia do jornal Herald Tribune que li numa viagem de avião de Istambul para Lisboa. Eu tinha ido à Turquia em quase absoluta ignorância sobre o tempo real do país e não viajava com entusiasmo turístico nem com desejos consumistas e nem com cruzeiro de navio marcado. Atravessei um terço do território, entre a transparência do Mar Egeu, o cruzamento de Oriente e Ocidente, o espaço de olhar o céu, o capricho das escarpas recortadas na montanha, a rudeza da planície, a fertilidade da terra cultivada. Senti os sinais dos tempos nas ruínas das civilizações antigas, nos percursos dos apóstolos, nos refúgios das comunidades cristãs. Ali, quando por mim desfilam as memórias das perseguições, das guerras, dos êxodos, das destruições que desde sempre e até hoje permanecem, retomei a ideia da grande revolução que foi – e continua sendo – a mensagem de Jesus, naquele lugar e naquele tempo em que o mundo se ordenava pelo poder e não pelo amor.
As vidas dos outros podem levar a revisões de vida, a reordenar prioridades, a parar em meditação sobre os mistérios da condição humana e da liberdade em face dos desígnios de Deus. Assim me impressionou a história do cidadão turco Robert Tutus, cristão siríaco nascido em Azeh (Idil em turco), uma povoação no sudoeste da Anatólia, que remonta o seu cristianismo ao tempo dos apóstolos. Em Junho de 1994 dois homens assassinaram a tiro o pai de Robert, presidente da câmara local. De seguida a aldeia foi ocupada pelo exército turco, que destruiu as casas e decretou a expulsão de todos habitantes. Com a mãe e mais nove irmãos, Robert Tutus pediu asilo político na Alemanha, como o fizeram as centenas de cristãos siríacos que então se refugiaram na Europa Ocidental. Dez anos mais tarde, ele foi um dos primeiros exilados a aceitar o convite do governo turco aos siríacos para que voltassem à sua terra. Convite feito em 2001, por pressão da União Europeia, várias vezes repetido. A debandada dos habitantes de Azeh determinou o fim da era cristã daquela que foi sede de episcopado no séc II, habitada por uma população cristã de alguns milhares de pessoas até finais dos anos 70 do séc. XX. Dessa era, ficaram ruínas e foi surgindo da nova cidade de Idil habitada por curdos, árabes e alguns turcos, orgulhosos pela conquista muçulmana da cidade. Entre as planícies da Anatólia e as montanhas do sudoeste da Turquia fica o histórico centro da igreja ortodoxa siríaca, onde o Patriarca viveu até aos anos 30, quando mudou para a Síria. Aqui ainda existem igrejas siríacas e há um mosteiro do ano 397, reconhecido como um dos mais antigos mosteiros ativos do mundo. Há cem anos viviam naquela região 200 mil cristãos. Desses, 50 mil sobreviveram aos massacres de cristãos na Primeira Guerra. Hoje, são 4500 no máximo, enquanto 80 mil siríacos vivem na Alemanha, 60 mil na Suécia, 10 mil na Bélgica, na Holanda, na Suiça. Apesar da guerrilha entre curdos e exército turco e da agressividade dos curdos contra os siríacos, e apesar da mulher e das filhas adolescentes não quererem deixar a Alemanha, Robert Tutus voltou a Idil. Veio para reconstruir a casa de família, arrasada, está a restaurar a Igreja de Santa Maria e fundou uma associação para a cultura siríaca, para que a língua, a cultura e a tradição cristã siríaca se mantenham vivas. Para que os siríacos saibam que aquela é a sua terra. Para que o mundo saiba que ali vivem e existem, desde os primeiros tempos. Depois de ler a história até aqui acontecida, deixo-me pensar no ecumenismo, metáfora de unidade e harmonia, de entendimento e de paz, casa e resguardo, defesa de todos os males, na Igreja desejada. E acrescento a gente de Azeh-Isil à minha galeria de presenças, em hora de oração.
Leonor Xavier
As vidas dos outros podem levar a revisões de vida, a reordenar prioridades, a parar em meditação sobre os mistérios da condição humana e da liberdade em face dos desígnios de Deus. Assim me impressionou a história do cidadão turco Robert Tutus, cristão siríaco nascido em Azeh (Idil em turco), uma povoação no sudoeste da Anatólia, que remonta o seu cristianismo ao tempo dos apóstolos. Em Junho de 1994 dois homens assassinaram a tiro o pai de Robert, presidente da câmara local. De seguida a aldeia foi ocupada pelo exército turco, que destruiu as casas e decretou a expulsão de todos habitantes. Com a mãe e mais nove irmãos, Robert Tutus pediu asilo político na Alemanha, como o fizeram as centenas de cristãos siríacos que então se refugiaram na Europa Ocidental. Dez anos mais tarde, ele foi um dos primeiros exilados a aceitar o convite do governo turco aos siríacos para que voltassem à sua terra. Convite feito em 2001, por pressão da União Europeia, várias vezes repetido. A debandada dos habitantes de Azeh determinou o fim da era cristã daquela que foi sede de episcopado no séc II, habitada por uma população cristã de alguns milhares de pessoas até finais dos anos 70 do séc. XX. Dessa era, ficaram ruínas e foi surgindo da nova cidade de Idil habitada por curdos, árabes e alguns turcos, orgulhosos pela conquista muçulmana da cidade. Entre as planícies da Anatólia e as montanhas do sudoeste da Turquia fica o histórico centro da igreja ortodoxa siríaca, onde o Patriarca viveu até aos anos 30, quando mudou para a Síria. Aqui ainda existem igrejas siríacas e há um mosteiro do ano 397, reconhecido como um dos mais antigos mosteiros ativos do mundo. Há cem anos viviam naquela região 200 mil cristãos. Desses, 50 mil sobreviveram aos massacres de cristãos na Primeira Guerra. Hoje, são 4500 no máximo, enquanto 80 mil siríacos vivem na Alemanha, 60 mil na Suécia, 10 mil na Bélgica, na Holanda, na Suiça. Apesar da guerrilha entre curdos e exército turco e da agressividade dos curdos contra os siríacos, e apesar da mulher e das filhas adolescentes não quererem deixar a Alemanha, Robert Tutus voltou a Idil. Veio para reconstruir a casa de família, arrasada, está a restaurar a Igreja de Santa Maria e fundou uma associação para a cultura siríaca, para que a língua, a cultura e a tradição cristã siríaca se mantenham vivas. Para que os siríacos saibam que aquela é a sua terra. Para que o mundo saiba que ali vivem e existem, desde os primeiros tempos. Depois de ler a história até aqui acontecida, deixo-me pensar no ecumenismo, metáfora de unidade e harmonia, de entendimento e de paz, casa e resguardo, defesa de todos os males, na Igreja desejada. E acrescento a gente de Azeh-Isil à minha galeria de presenças, em hora de oração.
Leonor Xavier
15 de Maio de 2012
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