13 maio 2012

Viver com uma doença

Tal como milhares de portugueses tenho uma doença oncológica. Em cada ano cerca de 40,000 portugues@s são diagnosticados com esta doença. O meu diagnóstico data do verão de 2008, e desde então tenho tido o privilegio de ser tratada por pessoas altamente competentes e também com um forte sentido de ‘cuidado’. Recorro também à chamada ‘medicina chinesa’. Muito para além da utilização da acupunctura, a que ela vulgarmente é reduzida, a medicina chinesa trabalha sobretudo com as plantas medicinais, a massagem, a dieta e determinados tipos de exercício. A doente é encarada em toda a sua complexidade, sobretudo a nível emocional e também espiritual.
Não recebi a notícia como uma catástrofe ou uma desgraça mas, por feitio e por ter fé em Deus, com naturalidade, fazendo parte do precurso da vida. Entrei, até, numa fase em que sentia e sinto uma grande paz de espírito. Pela primeira vez, pois tinha sido sempre extremamente saudável, enfrentei a minha mortalidade. Informei os muitos médicos que encontrava a olhar para mim, com consternação, que não queria excesso de tratamentos nem de medicamentos. Declarei que preferia morrer mais cedo, com alguma qualidade, do que ser submetida a esses exageros que me parecem tantas vezes motivados para salvaguarda da ‘má’ consciência dos médicos ou dos familiares do enfermo, mas não para bem-estar da principal interessada, a doente. Sou, pois, a favor do testamento vital, que devolve às pessoas as decisões que só a elas dizem respeito. Em meio hospitalar é muito fácil os doentes perderem o controle sobre si próprios, que à luz da razão, da emoção e para mim, também da fé, tem que ser nosso. O poder dos profissionais de saúde, o poder da instituição, é arrasador. Apelo aos profissionais de saúde que nunca abusem do vosso poder sobre o doente.
A partir do momento em que se soube da doença fui alvo de uma espantosa onda de atenções, cuidados, orações, visitas, mensagens e telefonemas por parte de familiares e pessoas amigas que me confortaram extraordinariamente. Estou-lhes muitíssimo grata. Esta é para mim a verdadeira ‘comunhão dos santos’ – muito longe dos critérios de se encontrar um ‘milagre’ a todo o custo (nem que envolva um acidente com a fritura de peixe) para ‘provar’ que esta ou aquela pessoa importante na instituição-igreja é ‘beata’ ou até ‘santa’. Santas e beatas são todas aquelas pessoas que no seu dia a dia procuram seguir o apelo de Jesus Cristo - amai-vos uns aos outros como eu vos amei - mesmo que não acreditem nesse mesmo Jesus e que sejam convictamente agnósticas ou ateias.
É banal repetir que não sabemos o dia nem a hora, ecoando o Evangelho. Costumo pensar que, como tenho consultas regulares marcadas, não posso faltar e por isso não dá jeito morrer nos intervalos entre as consultas. Desde que fui diagnosticada, seis pessoas amigas morreram de forma inesperada ou repentina. Outra banalidade é o relativismo de uma situação de doença. Há tantos milhões em situação de grande sofrimento que se torna quase obsceno dar demasiada importância à nossa condição.
Aprofunda-se a fé, a meditação, a disponibilidade. A meditação é uma caminhada que está a ser objecto de muito interesse. Afastamo-nos do turbilhão dos nossos pensamentos habituais para “ficar na quietude de corpo e espírito”.
[1]
Não costumo ler relatos destinados a animar os doentes, e nunca faço pesquisas na internet sobre a doença. Uma excepção foi o livro de David Servan-Schreiber, um médico franco-americano, que nos dá uma visão, muito bem escrita e prazerosa, de caminhos possíveis para enfrentar a doença oncológica.
[2] Aos 30 anos confrontou-se com um tumor cerebral. Só morreu 19 anos mais tarde, tendo partilhado com uma imensa comunidade de doentes e cientistas a sua estratégia: alimentação saudável, a vivência das emoções, incluindo o espiritual, o exercício físico e psíquico e também os tratamentos tradicionais. Inspirada no exemplo deste médico, uma amiga minha, também ela doente, e eu própria, criamos um grupo de auto e inter-ajuda, que desde o Natal passado, reune quinzenalmente, em Lisboa, no Convento dos Dominicanos. Somos acompanhadas tecnica e gratuitamente por uma excelente enfermeira, Helena Pitta Negrão. Quem estiver interessado/a em saber mais é favor telefonar para 91 491 40 49. São bemvindos doentes, crónicos ou não, seus familiares e amigos. A próxima reunião é no dia 16 de Maio entre as 17.00 e as 18.00.
Ana Vicente
13 de Maio

[1] Há centenas de sítios sobre meditação. Um é www.meditacaocrista.com
[2] David Servan-Schreiber, Anti-Cancro – Um novo estilo de vida, Lisboa, Caderno, 2008.

1 comentário:

  1. Cara Ana Vicente,
    Gostei muito do seu texto.
    Afinal o que é o milagre senão a força que vem da convicção alicerçada na fé no Senhor Jesus? Esse Deus amoroso que não abandona, e se manifesta no amor presente na ajuda, na entreajuda que sustenta os momentos que tecem a vida.
    Fiquei muito sensibilizada pela importância da ajuda da minha colega, enfermeira Pitta Negrão. Felicito-a a ela também.
    Um forte abraço
    Lisete Fradique

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