Sou devoradora de jornais, ágil na internet, curiosa sobre o que acontece no mundo. Passo os meus dias em corrida de velocidade, como se estivesse num jogo de apanhada, a ver se alcanço e agarro as surpreendentes notícias que a toda a hora invadem o meu espírito, a minha casa, o meu espaço, para soltar as emoções, tão desencontradas, que me tomam, de cada vez. Mas as notícias ultrapassam-me e nem sempre sou capaz de segurar o fôlego, de ficar calada e quieta, de criar o silêncio interior que me acalme, me sossegue, me traga paciência e tolerância, ou pura indiferença em todos os absurdos que desfilam perante os meus olhos, em vertiginoso delírio os absurdos aceleram.
Há os casos sinistros porque são dramáticos, como o do sacristão pedófilo, filmado por um dos miúdos abusados a masturbar-se à frente de outros miúdos. Com todas as consequências ou não consequências penais, quero saber o que trará a sequência dos acontecimentos. Que posição concreta será a da Igreja, a do padre da freguesia, que outras denúncias irá desencadear, que reações na opinião pública, quando o devoto/pedófilo sacristão já vai sendo assunto suculento e comentado na Praça da Alegria, o programa popular da manhã na RTP1?
E há os casos risíveis, ou as farsas, um género teatral que, como toda a gente sabe, está acima da comédia, pela situação hilariante que provoca, porque é excessivo, porque é acelerado no possível nonsense. Eu não preciso de cenário para considerar como farsa duas das mais recentes notícias divulgadas sobre a Igreja em Portugal. Notícias sobre dois acontecimentos que talvez pretendam ser formas alternativas de Nova Evangelização, para as almas simples, dóceis e submissas. O primeiro caso, é o da inauguração, em 6 de Junho do “Milagre de Fátima” em Hologramas (para perceber o fenómeno, aconselho a gloogar Ciência Viva, e a ler a explicação…) Em Fátima, o investimento de 1 milhão de euros (um milhão!!!) incorporando 75 por cento de fundos comunitários (!!!) pretende atrair 300 mil pessoas por ano para apreciar “conteúdos de multimédia de ultima geração, recorrendo a hologramas, sons e odores” e assim reviver as Aparições aos pastorinhos. O segundo caso, transcendente, vai concretizar-se também em Fátima, 18 de Julho às 20 horas. Chama-se Cristoteca (!!!), é promovido pelo movimento brasileiro Aliança da Misericórdia, é um espaço de dança, oração e evangelização em que Cristodrinks (assim mesmo, meu Deus!!!), bebidas sem álcool são servidas. A evangelização faz-se corpo a corpo durante a dança, quando as missionárias do Aliança chegarão perto dos rapazes e das raparigas (claro que a Cristoteca não pretende chamar gente de meia idade), demonstrando-lhes que ali, o rei da dança, é Jesus. E que namorar se pode, sim, mas com pureza, castidade e virtude. Sem pecado (nem sexo, entenda-se). Para quem conhece o Brasil e o fenómeno das igrejas evangélicas, parece-me este Aliança da Misericórdia( criado em São Paulo e em Portugal desde 2008) muito influenciado pelos rituais dessas igrejas. O que me traz alguma perplexidade.
Falando em um outro mundo real. Há um tempo, chegou-me via internet a curta filmagem de uma cantoria dos Salmos na missa de domingo na TVI. Dispenso-me de descrever porque todos poderão imaginar aquela estética e cultura pré conciliar que, também extraordinariamente, continua e existir, e que não tem nada a ver com o “pietismo”, que José Mattoso considera “uma devoção sentimental que é por vezes a expressão de um culto popular e precisa de reflexão racional para se tornar aceitável.” Com a tristeza destas notícias, cada vez mais penso que contestar as mentalidades é meu dever cristão.
Leonor Xavier
26 de Junho de 2012