22 julho 2012

O ESTADO DA IGREJA

        1. Este título é excessivamente pretensioso para um assunto tão vasto num espaço tão reduzido. Foi-me sugerido por uns amigos sobre um texto magnífico do blogue do padre António Teixeira, que transpõe o nome do debate, ”Estado da Nação”, para outro cenário e outro objectivo: “Por que razão não poderia a Igreja ter oportunidade de se congregar em torno do Pastor Diocesano, à volta de cada Pároco, para a partilha de ideias, de sonhos, preocupações, desafios, a ponto de todos e cada um dos cristãos se saberem e sentirem responsáveis e cúmplices, protagonistas e conscientes da missão comum de edificar a Igreja e construir o Reino de Deus - afinal a tarefa que o Mestre confiou aos Seus discípulos de todos os tempos (…). Nada teria a perder – bem pelo contrário - se usufruísse de tempos e espaços de maior diálogo, de alargada troca de experiências, dificuldades, êxitos e projectos. Para isso, importa distinguir categoricamente realidade da “unidade”, daquela outra, sempre pejorativa, de “conformismo”.
        Tanto no plano político como no religioso, é difícil a analise do presente fugidio, sem cair no estilo de jornalista ou de oráculo. Por outro lado, gastar o tempo todo a fazer autópsias do passado e a prometer ressurreições gloriosas para o futuro é, por vezes, uma fuga para não ver e questionar o que está diante dos olhos.
        2. A Igreja Católica é um mundo com modos de presença muito diversificados nas sociedades dos cinco continentes e na grande variedade cultural e social das comunidades de cada país.
        O centro do seu crescimento já não se encontra na Europa, embora o papa seja o Bispo de Roma e o chefe político de um pequeno Estado, o Vaticano, com um território de 40 hectares. Para uns, esta realidade é um instrumento precioso de independência da Igreja; para outros, embora sem o peso dos anteriores Estados Pontifícios - que duraram desde 756 até 1870 – acaba por situá-lo nos jogos da política internacional.
        Como Estado, é um sistema fechado, com grande dificuldade de auto-reforma. O que é transmitido pelos meios de comunicação acerca do que nele acontece - na banca, no tráfico de influências e no funcionamento da Cúria - afecta, a nível local e global, a imagem pública da Igreja e a credibilidade da sua transcendência divina.
        Os bispos do mundo inteiro são reformados aos 75 anos. O bispo de Roma, que além de chefe de Estado é o papa, o dirigente de toda a Igreja, em regime de parca colegialidade, não tem limite de idade para as suas funções. Valeria a pena meditar e conversar sobre essa estranha situação.
        Os bispos surgem à frente das dioceses, sem que os diocesanos tenham uma palavra a dizer. Os párocos são nomeados sem que os paroquianos possam interferir no processo da sua designação. O que a todos diz respeito deve ser tratado por todos, da forma mais responsabilizante. Quanto às modalidades e dificuldades nessa participação, nunca será um assunto resolvido de forma definitiva, mas também não pode continuar adiado.
       Sem o enfrentamento de algumas questões básicas, que se arrastam há demasiados anos, os programas da nova evangelização, das reformas da catequese, da pastoral da juventude e da família, do incitamento à participação nas celebrações dos sacramentos e especialmente da Eucaristia, são esforços louváveis para o relançamento espiritual, mas servem sobretudo para esconder e tentar esquecer problemas urgentes. Muitos católicos resolvem-nos abandonando a prática religiosa ou até a própria Igreja.
        Dito de forma mais explícita: sem o aprofundamento da ética social e sexual, sem a possibilidade de chamar mulheres e homens casados para os ministérios ordenados, sem a possibilidade de celebrar o casamento de divorciados recasados e de os incitar à participação plena na vida das comunidades cristãs, as instituições da Igreja perdem o presente e o futuro, enquanto sacramento, sinal e instrumento, da cura do mundo, isto é, o rosto visível da graça, da bondade e da misericórdia de Deus. Este caminho não tem nada a ver com “facilitismo pastoral”, cobertura da irresponsabilidade ou do vale tudo, pois sem conversão permanente não há Igreja que valha a pena.
       3. Para responder à pergunta sobre o “Estado da Igreja” no mundo actual temos de sair da sacristia e olhar para o que está a acontecer. Como observa Jean-Claude Guillebaud (Cf. La Vie – Le Monde 2012), desde o começo dos anos 80, vivemos quatro revoluções ao mesmo tempo: uma revolução económica, com a mundialização; uma revolução numérica e cibernética que deu à luz um quase-planeta, um sexto continente; uma revolução genética, que transforma os fundamentos da humanidade, as nossas relações com a vida, com a procriação e com a genealogia; uma revolução ecológica, com a tomada de consciência de que não nos podemos desenvolver como se fazia, desde há milénios. Por estas quatro razões, vivemos uma mudança, talvez tão importante como a revolução neolítica, há 12 mil anos (…), na qual o ser humano passou "de parasita a sócio activo da natureza", por vezes, também a seu agressor.
Perante estas esperançosas e assustadoras revoluções, o estado da Igreja terá de ser o de escuta e intervenção, para oferecer a todas as pessoas de boa vontade a sua gramática da transcendência da vida humana.
Frei Bento Domingues, O.P.

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