01 julho 2012

NÃO SABEMOS ONDE ESTAMOS NEM PARA ONDE VAMOS

1. Não sabemos onde estamos nem para onde vamos. Durante algum tempo, o entretenimento cultural eram as divagações, as conversas sobre modernidade e pós-modernidade. Deixemos, por enquanto, essa questão de lado.
Que não sabemos nem onde estamos nem para onde vamos, basta olhar para o que se passa com a “desunião europeia”. A Comissão e os chefes de Estado especializaram-se em reuniões sobre nada para chegarem a coisa nenhuma. Alimentam os especialistas do nada em questões europeias, preocupados apenas com a revelação e os ocultamentos de uma senhora alemã que parece não descansar enquanto não vir tudo a arder.
Não devemos, porém, ser demasiado severos com essa gente, pois o que vivemos, desde há vinte anos, é uma mutação prodigiosa. Talvez que só se produza uma semelhante de dois em dois ou de quatro em quatro mil anos.
 2. De forma mais precisa. Desde o começo dos anos 80, vivemos quatro revoluções ao mesmo tempo: uma revolução económica, com a mundialização; uma revolução numérica e cibernética que deu à luz um quase-planeta, um sexto continente; uma revolução genética, que transforma os fundamentos da humanidade, as nossas relações com a vida, com a procriação e com a genealogia; uma revolução ecológica, com a tomada de consciência de que não nos podemos desenvolver como se fazia desde há milénios. Por estas quatro razões, vivemos uma mudança, talvez tão importante como a revolução neolítica, há 12 mil anos, que fez passar a humanidade da caça à domesticação dos animais, da recolha à agricultura, do nomadismo à sedentarização ou, como se costuma dizer, o ser humano passou "de parasita a sócio activo da natureza", por vezes, também seu agressor.
3. Até há pouco tempo, a nossa ilusória representação do mundo colocava, no centro, o Ocidente que irradiava sobre o resto, sobre a periferia. O Ocidente incarnava a modernidade; a periferia era a tradição, o atraso. O centro irradiava quer de maneira violenta, pela conquista ou pela colonização, quer pela influência cultural, quer pela dominação tecnológica. No começo do século XVII, a cultura europeia recuperou do seu atraso em relação a outras grandes culturas mais antigas, como a da Índia e a da China. Ultrapassou-as, tornando-se hegemónica. Esta representação, que já leva quatro séculos, tornou-se caduca.
4. Com a intervenção americana no Iraque, os neoconservadores pensaram que podiam manter a superioridade ocidental sobre o resto do mundo. Hoje, sabemos que já não é possível. Os Estados Unidos já não têm meios para vencer quer no Iraque quer no Afeganistão. Já não conseguem governar o mundo. Alguns acreditaram que o Ocidente continuava a manter, no entanto, a superioridade na alta tecnologia. Dizia-se: os chineses fabricam meias baratas, mas nós fabricamos aviões caros e mantemos o segredo da sua tecnologia. É uma ilusão. Alguns países, como por exemplo a Índia, tornaram-se tão competitivos como os ocidentais. Alguns dias depois da falência do banco Lehman Brothers, a 15 de Setembro de 2008 – que levou a crise financeira ao seu paroxismo no Ocidente – deu-se a primeira saída de um astronauta chinês para o espaço. É um “piscar de olhos” da História. No mês seguinte, a Índia lançou a sua primeira missão espacial para a Lua. Como diz Jean-Claude Guillebaud, numa entrevista que, aqui, seguimos de forma livre, passamos a uma configuração, na qual já não existe um centro, mas vários, sem se poder dizer, hoje, qual será o hegemónico. Ocidente e modernidade já não sinónimos como se pensou durante algum tempo (Cf. La Vie – Le Monde 2012).
5. Os períodos de modernidade são sempre acompanhados de recusas. É, actualmente, o caso do Irão. O mundo muçulmano é atravessado, hoje, por um fundamentalismo que gostaria de parar o processo de modernização. Haverá violência. Não podemos, porém, dar razão a Samuel Huntington e à sua concepção de sete grandes civilizações, como se de entidades eternas se tratasse. Já há muito que não é assim. A China actual está atravessada por remodelações e por contradições como acontece no Ocidente. O mesmo se pode dizer da Índia, onde a literatura faz destas contradições dolorosas o seu tema principal.
6. Importa acabar com a ideia de que todos os países caminham para a democracia e que, tarde ou cedo, lá vão chegar. Basta que nós lha ensinemos. Para já, isso não funcionou no Iraque e não vemos como acontecerá em alguns outros países. Isto não significa que a liberdade não lhes interesse, pois, diz-se, pertencem a outra cultura. Ainda que muito confusas e problemáticas, as revoltas, conduzidas pela juventude, que surgiram na Tunísia, no Egipto, na Líbia, no Iémen, na Síria ou em Marrocos, mostram que o ponto de vista cultural não é pertinente. Ainda não sabemos onde irão dar as diversas “primaveras árabes”. Pode acontecer que sejam confiscadas pelos islamitas. Seria, no entanto, ridículo exigir que o mundo árabe realize em alguns meses uma “libertação” democrática que os ocidentais levaram tanto tempo a esboçar e com a qual nem sempre estão satisfeitos. E não ficaremos por aqui noutras partes do mundo. A sociedade chinesa, muito interessada pelas liberdades, parece que também está a reinventar mecanismos democráticos nas barbas do regime, usando a sua própria retórica. O Irão continua governado por uma teocracia obscurantista, mas a sociedade civil é dinâmica. Dito de outra maneira: outras formas democráticas germinam e elaboram-se, próximas e diferentes das que nós conhecemos.
Caminhamos para um choque de civilizações ou para uma mestiçagem cultural? É cedo para o dizer. De qualquer modo, o horizonte dos cristãos deve ser o de Jesus Cristo: reunir numa só família toda a humanidade, todos os filhos de Deus dispersos (Jo 11, 52).

Frei Bento Domingues O.P.

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