26 julho 2012

Olhar de Deus sobre Nós, Simpatia e Amor

1. Levada em pensamento pela tese de Karen Armstrong, retomo o Evangelho de São Mateus “Tudo o que desejais que os outros vos façam, fazei-o também a eles.”(7-12) Eu tinha começado a ler o livro “Doze Passos para uma Vida Solidária”(ed.Temas e Debates), desta autora que foi freira, é historiadora das religiões e defensora da liberdade religiosa, consagrada pelos mais importantes prémios internacionais pela sua obra e personalidade. Karen Armstrong viaja pelo mundo, faz conferências, é protagonista nas televisões. Neste livro, ela evoca as religiões mais importantes para propor a prática da Regra de Ouro: “Fazer aos outros o que gostaríamos que nos fizessem,” e assim desenvolve a ética da compaixão em doze passos crescentes, ou outras tantas atitudes nas situações que enfrentamos no dia a dia. Situações muito concretas, em simultâneo profundamente espiritualizadas se as integrarmos num contexto mais amplo. Karen Armstrong recorre a citações, recorda conselhos, relembra conversas. Ensina como cada um se deve amar a si mesmo para poder amar os outros. Leva-nos a experimentar a condição de um outro alguém, das suas perdas, angústias, aflições, para poder praticar a compaixão. Diz que começando pelo mais próximo na casa, se poderá partir para a família, os amigos, o país, o mundo. A sua tese ajuda a humanizar os nossos atos. É um modo de entender, em perspetiva de fé, a palavra do Evangelho. Vale a pena lê-la e sublinhá-la.     

2. Dou por mim em lágrimas, oiço as notícias, os depoimentos, os comentários. E vejo as imagens. A televisão não pede licença para entrar na casa. Passo horas aqui, no silêncio de que preciso para trabalhar o ponto e a vírgula. E descubro-me na balbúrdia do silêncio, que me traz o discurso interior, mais fértil às vezes na solidão. Vejo o empobrecimento, as falências no meu bairro, as queixas, os justos lamentos. Assisto á greve dos médicos e ao protesto dos professores no dia de hoje, há multidões a sair à rua, a gota de água está aí, na nossa gente. Não sei o que mais me emociona e desgosta, no tumultuado espetáculo do mundo. Oiço as notícias de barbaridades contra as comunidades cristãs na Nigéria e no Quénia, vejo os massacres na Síria, as multidões exaltadas no Egito e no Paraguai, pelo desagrado contra os presidentes depostos e o agrado pelos novos eleitos. Vejo os flagelados da fome e da seca no Nordeste brasileiro e os favelados do Rio ainda de luto pela destruidora chuva. Vejo os mineiros espanhóis em manifestação e os cidadãos russos em revolta. Os mortos e os feridos desfilam. Vivo a inquietude dos dias, que nos faz saber de tanta gente muito mal, tão perto, tão à nossa volta. Dou graças a Deus pela fé que me anima. Por ter aprendido que muitos outros períodos de sofrimento e desgraça passaram pela história da Humanidade, vou passando pelos textos, o Antigo Testamento é fértil em narrativas de tempos maus, o Evangelho é palavra de esperança.
 
3. Em casa dos meus pais, fazíamos muito o jogo da associação de ideias, talvez por isso haja em mim este gosto de tecer o que me vai pela cabeça, como um bordado de bastidor. Tomo, assim, e a propósito dos nossos atuais desgostos, a liberdade de ligar uma citação de Frei Bento Domingues ao nome de um Bloco de Carnaval no Rio de Janeiro. Por motivos diferentes. No seu recente artigo sobre o culto popular ao Senhor dos Desamparados e o seu Oratório em Guimarães, diz o Frei Bento: “ Ao longo dos tempos cresceu a convicção de que havia sempre alguém que tinha os olhos postos nos desamparados, o mesmo que conserva este costume, desde há dois mil anos.” E no Rio de Janeiro nasceu nos anos 80 o Simpatia é Quase Amor, em que eu desfilei, cantando um refrão em que estas palavras apareciam. Penso no olhar de Jesus sobre nós, puro amor no conhecimento destas horas más. E em vários momentos dos dias, vou também experimentando um tom de simpatia na fala com os outros. Forma pequena, tentada, de amor. Olhada, acima do mundo e no mundo, pelo Senhor, Senhor dos Desamparados, Nosso Senhor.

Leonor Xavier
12 de Julho de 2012   

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