Quando quase tudo corre mal, no país e no mundo, com a crise económica a acentuar-se, o sistema financeiro que se esboroa, o desemprego a crescer, os jovens a dependerem das famílias porque não há primeiros empregos e, ou ficam a arrastarem-se por cá ou vão procurar trabalho noutras terras… Os impostos a subirem e as prestações sociais a serem cada vez mais instáveis, perguntamo-nos se aquilo que tomamos como adquirido, direitos conquistados, são alguma coisa de estável em que vale a pena apostar ou confiar.
O pessimismo tomou conta de nós, deixamos de esperar “os amanhãs que cantam”, com um final feliz para o sentido da História e, acabrunhados já esperamos ouvir cada dia piores notícias do que na véspera porque pressentimos que o futuro não trará nada de bom.
A confiança de que há progresso na História humana, que esse progresso é bom para a humanidade e para o planeta num ecossistema coerente, deixou de existir. Esperamos a implosão do planeta, o degelo das calotes polares, uma seca persistente como horizonte de fatalidade se continuarmos neste estilo de desenvolvimento predador da maior parte dos recursos disponíveis de que só uma pequena minoria da humanidade beneficia enquanto a maioria vive das migalhas do banquete dos ricos.
Ora este cenário é sem dúvida uma bomba relógio para manifestações de violência entre povos, entre religiões, entre culturas. As raízes do terrorismo e dos vários fundamentalismos penetram neste ambiente de injustiça global para o qual nenhuma ideologia ou sistema político encontrou solução. A democracia, na sua frágil ambição de concertar diferentes perspetivas num debate alargado que se legitima em processos eleitorais, fica ameaçada de colapso face à possível emergência de soluções “messiânicas” que suspendem a liberdade nas suas diversas modalidades e se ancoram na necessidade subjectiva de segurança e estabilidade que tanto os indivíduos como os povos anseiam.
Em Portugal temos o velho mito do Sebastianismo, no qual delegámos ao longo da História a esperança que alguém vai aparecer como salvador da Pátria e dar um rumo ao desnorte que nos aflige. Durante as últimas décadas esperamos que a CEE, depois EU, nos ajudasse. Agora perdemos as ilusões; o sistema comunitário tem o nome simpático de “comunidade” e de “união” mas na realidade o seu funcionamento não é igualitário. A moeda comum, serve como traço de união, mas o que um cidadão alemão compra com 100€ é bem diferente do que o que um português pode comprar. O salário mínimo em cada um dos países tem diferenças verdadeiramente chocantes. O fosso entre ricos e pobres, entre trabalhadores e desempregados, entre jovens e idosos, é cada vez mais acentuado. As nossas sociedades ocidentais (des) gastaram os valores da Revolução Francesa, temos pouca igualdade, liberdade e fraternidade, e o Estado Providência, protector e seguro, é quase apenas uma recordação do século XX.
Que fazer perante uma situação que se configura como um beco sem saída? As soluções ensaiadas historicamente já não são aplicáveis, austeridade a todo o custo asfixia a economia, o pano está velho é escusado remendá-lo e colocar-lhe novos bocados. O tecido rasga-se! Neste caso saltamos da metáfora têxtil, ainda que evangélica, para o tecido social que nos envolve.
Já ouvi gente dizer que, perante a falta de perspetivas de uma velhice confortável, com uma pensão de reforma decente, preferia ter um ataque cardíaco já, o que lhe pouparia muitos aborrecimentos e seria muito mais barato para o sistema da segurança social, contrariando a taxa de longevidade crescente.
Não está na tradição cristã o suicídio, pelo que provavelmente este desabafo é um desejo indireto de pedir a Deus o encurtamento da vida e uma boa e rápida morte. Morrer na paz de Deus e “deixar de ter chatices”! Parece uma saída airosa…
Só que Deus não costuma atender a estes pedidos de fuga ao mundo e à sua complexidade. Deixa-nos a responsabilidade de arranjar o pão nosso de cada dia, para nós e para os irmãos.
Suspeito que uma versão pouco ortodoxa do Purgatório seja isso mesmo, assumir as “chatices da vida” que não são vividas post mortem mas sim no dia-a-dia de qualquer ser humano que se preocupa minimamente com o estado a que chegámos como humanidade e com as pessoas concretas que mais sofrem, na certeza do desejo de fraternidade de sermos filhos de Deus.
Cabe-nos pois manter a chama viva e confiar, como diz o povo, que “Deus não dorme!”…Nós é que estamos a viver uma espécie de pesadelo e que já é tempo de começarmos a acordar.
Como o Império Romano se desmoronou face às invasões bárbaras, num processo lento e inexorável, assim o nosso modelo de desenvolvimento sobre o qual depositámos as nossas expectativas, se degrada e afunda no abismo…
Confiar que podemos fazer mais e melhor e que, se a Criação nos foi confiada, temos que ser capazes de encontrar soluções, de inovar, sem medo das mudanças necessárias. Claro que isto é provavelmente um pio desabafo, mas alguém tem melhor solução? É que realmente todos precisam do pão nosso de cada dia!
Se acreditarmos que o Espírito sopra onde quer, teremos a certeza de que não estamos abandonados e procuraremos os sinais da Sua presença entre nós. O Reino é uma promessa mas já está entre nós. Por vezes a nossa depressão coletiva impede-nos de olhar e ver as sementes de um mundo novo que nasce penosamente do velho que está a cair aos bocados.
Confiar e estarmos atentos para resolver os problemas de cada dia é a chave de leitura do difícil presente em que estamos mergulhados e ao qual não adianta tentar escapar.
“Ajuda-te que Deus te ajudará,” resume esta atitude em termos de sabedoria popular. Tirando a dimensão individual do provérbio e colocando o acento no Próximo, saberemos então procurar uma saída que não seja embater teimosamente no beco onde nos encontramos.
AFF 16-01-2013
Caros amigos do NSI-PT, boa tarde.
ResponderEliminarUma dúvida: porque alguns dos vossos articulistas usam as iniciais e não o nome ?
Um abraço.
Pr. Campos de Sousa
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ResponderEliminarObrigada pelo seu comentário. Uso as minha iniciais porque considero mais prático. Não me parece que num blogue seja relevante quem escreve mas sim o que escreve.
O meu nome é Alfreda Ferreira da Fonseca daí as iniciais AFF