Querido/as Amigo/as de mais perto ou de mais longe
Desculpareis que, porventura, vos
retribua com uma mensagem de feição menos personalizada. Todos e todas a
mereceriam. Até só pelo facto de se lembrarem que eu ainda existo. Na
fragilidade das condições técnicas em que vos escrevo e na felicidade da abundância
daqueles e daquelas que se me fizeram presentes nestes dias, no quadro de
afazeres pastorais em que me envolvo, difícil seria responder a cada um/a.
Hoje é dia 23. Partilho convosco
o que têm sido estes dias de introito para o Natal, celebrado, como nos alerta
O Papa Francisco, na periferia do mundo.
Toda a manhã de hoje foi ocupada
com uma visita a uma comunidade da Paróquia, situada na área da intervenção dos
chineses que aqui exploram areias pesadas e já trazem perturbações várias à
pacatez destas comunidades: Disso falaremos noutro dia.
Tudo estava preparado para
"ter missa". Uma hora teria sido suficiente, e tudo ficaria
despachado e arrumado. Todos ficariam contentes e o padre voltaria a casa com a
consciência tranquila e satisfeita!
Mas foi diferente. Ao chegar,
apesar do friso festivo que me aguardava, logo intuí que era preciso ir mais
fundo. À raiz! Não fiquei na epiderme das insistentes cantaroladas saudações à
visita que chegava. Com a preciosa ajuda do Animador Paroquial (que já me
acompanhava desde casa) mais a do Animador de Zona (que entretanto a nós se
juntara, tratámos de fazer um diagnóstico da comunidade tão numerosa, mas
carente: carente de organização, a contrastar com outras. Com algumas pessoas
com competências a desenvolver, mas ainda sub-aproveitadas.
Teríamos umas 200 pessoas
adultas. Muitas crianças e adolescentes. Havia que dar o toque da conversão que
o desafio do nascimento de Jesus, neste nosso mundo, implica.
Assim se construiu uma linda
conversa com a comunidades sobre as fraquezas e os pecados a corrigir.
Felizmente, um quadro preto, feito numa parede interna da própria capela, numa
comunidade com 90% (se não mais) de iletrados, serviu de ícone. Uma jovem mãe,
desejosa de ser alfabetizada foi, sim, o ícone vivo, nesta nossa conversa de
mais de 1 hora, precedendo a celebração penitencial seguida de eucaristia.
Vislumbrei, sem surpresa, o
intenso trabalho que temos de fazer para que esta Igreja, integrada por tanta
gente, rodeada de muçulmanos/as, apareça, como dizemos na noite de Natal, um
sinal de que "O Povo que andava nas trevas viu uma grande Luz!".
Antes de mais luz para dentro de si mesma, para que possa aparecer como Luz
para a imensa maioria muçulmana que a envolve!
No dia 21 tive outra celebração
com outra comunidade: a nota mais saliente foi ter conseguido vencer o
"braço de ferro" com gente que parecia teimar em não arranjar
esteiras para atapetar o espaço celebrativo, e se sentava no chão (por acaso já
de cimento e não de terra) como se fosse cabrito. Desde que eu cheguei, há 19
meses, que isso era ponto assente. A beleza das esteiras locais tem de
emprestar aos nossos espaços litúrgicos, dentro das capelas, ou debaixo das
árvores, ou ao luar, como aconteceu na noite de Natal de há 1 ano, a dignidade
de filhos de Deus que somos a título privilegiado. Parece que não teriam
entendido à primeira. Foram 2 horas de paciente explicação em que se misturou a
catequese, a noção de dignidade e as noções de saúde. E, assim, quem morava
mais perto ou tinha biciclete, correu a casa buscar as esteiras necessárias.
Excelente!
Xonte! Apwiya! Munlevelele!
Perdão! Senhor!
Terminaria muito bem, também com
a celebração penitencial e a confissão dos pecados em comunidade (como ilustra
a imagem) seguida de eucaristia.
No dia 22, ontem, estava
programada uma "inauguração" noutra comunidade. Inauguração de quê:
da nova cobertura da capela, agora de chapas de zinco. Havia convidados das
comunidades vizinhas e, pela 1ª vez, vi o "governante" local, o chefe
de posto, por sinal um católico que, dir-me-ia ele ao apresentar-se, foi
batizado nesta nossa missão nos idos anos 60. Talvez seja um filho regressado…
Vamos ver.
Nesta caso, foi espantoso como
tão rapidamente pudemos transformar a liturgia, pondo a ênfase numa aturada
celebração penitencial que abriu caminho para uma magnífica celebração da
eucaristia, à sombra de uma majestosa mangueira (que não deixou cair nenhuma
manga na cabeça de ninguém) e, finalmente, para a "bênção" da capela
com nova cobertura, satisfazendo os anseios justificados desta comunidade que,
a custo, conseguiu juntar umas dezenas de milhares de meticais e, assim,
resolver o problema à sua própria custa!
Foram, todas elas, celebrações
inteiramente contextualizadas, pacientes, indo ao fundo das raízes, tanto
antropológicas como éticas e morais. Encantador, ainda, como os grupos corais,
que até tinham preparado o seu canto noutra direcção, tão facilmente se
readaptaram, tanto no canto penitencial como da exultação de acção de graças,
no fim.
Em cada um destes dias,
terminamos com uma deliciosa refeição de exima (massa de farinha de milho que
os italianos chamarão polenta), acompanhada, a meu pedido expresso, não de
galinha ou cabrito ou porco, mas de mathapa: agora de folha de mandioca por
ser, neste tempo, a mais comum, enriquecida com um pouco de feijão pequeno, ou
ervilha) e com saborosíssimo tempero de amendoim e/ou de coco. É, assim, um
Natal na periferia do mundo, vislumbrando, nestas pobrezas e nesta riquezas, a
plenitude de José e Maria encantados com as maravilhas que vislumbravam e não
entendiam por completo! Guardavam no coração!
Já vos cansei, enquanto escrevia
este abrir de coração, à beira do Índico, aqui a meus pés, ao fundo da
larguíssima avenida principal de Angoche que teve por nome colonial
"António Enes" e, desde há dias, tem um presidente reeleito, não
temos dúvidas, com gritantes ilícitos eleitorais. Porque os Herodes ainda não
foram varridos da face da terra!
Que o vosso Natal seja tão genuíno
como o meu, vo-lo desejo do coração!
Que o novo ano de 2014 seja, para
cada um/a de nós, mais abençoado do que este que agora terminamos em que os
desafios à Fé e à Esperança só o Papa Francisco - a surpresa de Deus para todos
neste ano - conseguiu dispor-nos, mais uma vez, a acolher.
Zé Luzia
NOTA: Recebi este mail do Padre José Luzia e, como gostei imenso deste Natal tão enriquecedor, pedi-lhe para o partilhar no nosso blogue, ao que ele acedeu prontamente. Lamentavelmente o blogue não aceitas as fotos que vinham incluídas.
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