Não sei
se os mistérios são silenciosos, mas a Laura é um mistério no seu silêncio. Não
porque não queira falar mas porque não está habituada. Salvo erro, terá passado
a infância num ambiente de poucas falas e como não consegue exprimir-se bem,
fica calada. Apenas olha e sorri. O sorriso é agradável e o olhar amável. Uma
canção cantada em espanhol diz que “olhos azuis são mentideiros”. Não sei se há
nisto alguma verdade, em todo o caso não me parece que seja tanto assim, talvez
a dificuldade esteja em saber ler o que dizem ou querem dizer os olhos azuis. É
o que acontece com a Laura. Anda pela rua, as pessoas gostam dela, é tranquila
e parece não precisar de mais nada além de alguma comida e roupa. Eu já a
conhecia mas não sabia o seu nome. O Joaquim, que veio aqui arranjar umas
coisas, ao sair para a rua é que disse: olha a Laura anda por aqui! Esta gaja
não tem parança. Eu às vezes também uso a palavra gaja, mas à Laura não
conseguiria nomeá-la assim. Nunca a vejo pedir nada, mas há sempre gente que
lhe estende a mão a dar qualquer coisa. É engraçado ser ao contrário do que é
costume. Ela agradece com dignidade sem vénias, o que me agrada. A quem poderei
comparar a Laura na Bíblia? Não sei, mas entre a Rute e Maria Madalena penso
que tem um pedacinho de muitas. Os sábios talvez me pudessem ajudar nisto, mas
também não é muito importante. Prefiro fazer de outra maneira, meter a Laura na
Bíblia e juntá-la a todas as outras. Há uns tempos falei um pouquinho com ela e
vi que tem uma energia interior e uma lucidez que o pouco vocabulário que usa
não consegue transmitir suficientemente. Depois disso deixei de a ver durante
algumas semanas. Dizem que foi cuidar do pai, obeso e mal alimentado, doente no
corpo e na alma. Não sei o que aconteceu ao pai, mas há dias quando ia a virar
uma esquina vi um braço no ar. Fiquei muito contente, a Laura disse-me adeus.
Fui ter com ela e percebi-lhe que tinha estado em Fátima e tinha gostado muito.
Perguntei-lhe se gostava da nossa Senhora de Fátima e ela disse-me em poucas
palavras que a nossa Senhora é só uma, tanto faz ser em Fátima como noutro lado
qualquer, mas que, sim, gosta muito de nossa Senhora. Que é a mãe de Jesus e é
muito importante. Armado em teólogo barato disse-lhe que Jesus é mais
importante. E ela: eu bem sei que Jesus é mais importante, mas olha que uma mãe
é quem nos pode ensinar melhor a conhecer um filho. Oh Laura, onde é que
aprendeste isso? Não aprendi muito, tiro mais da minha cabeça. Quer-se dizer,
eu aprendi algumas coisas com umas irmãzinhas que iam lá ao bairro, mas depois
fiquei a tirar coisas da minha cabeça. Não perguntei que bairro era nem quem
eram as irmãzinhas, às vezes fico meio aparvalhado no meio da vida. Talvez o
Joaquim me soubesse dizer, mas não lhe vou perguntar para não o ouvir chamar
gaja à Laura. Na verdade que importa o nome do bairro! Basta-me saber que às
vezes passo pelo bairro da alma em que a Laura vive. Talvez um dia encontre por
lá as irmãzinhas.
Frei Matias
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