Contributo do Movimento Nós Somos Igreja – Portugal para a reflexão sobre o Sínodo Diocesano de Lisboa, preparatório do próximo Sínodo da Família
O Movimento reuniu e elaborou a seguinte carta que enviou em 2 de Jan 2015 ao Patriarca de Lisboa.
- - - - - - - - - - - - - - - -
Lisboa, 2 de Janeiro de 2015
Senhor Patriarca de Lisboa
D. Manuel Clemente
Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa
O Movimento Internacional Nós Somos Igreja-Portugal tem vindo a envolver-se em todos os temas de actualidade que exijam um sinal da nossa presença como Povo de Deus. Queremos ser uma presença de proximidade, em férteis horas de bons procedimentos, ou em complexas circunstâncias próprias deste tempo em que vivemos. Desejamos agora também contribuir com estas reflexões para o Sínodo diocesano que, em boa hora foi convocado pelo Senhor Patriarca, tendo em vista preparar o Sínodo de 2015 sobre a família.
Neste momento em que pela Santa Sé acabam de ser anunciados os Lineamenta para o referido Sínodo, permitimo-nos evocar as palavras do Papa Francisco no final da Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo, em Outubro passado: “Deus é o Deus da lei. É também o Deus das surpresas. Deixem-se surpreender por Deus. Deus não tem medo da novidade.” Inspirador, o seu pensamento permite-nos com maior entusiasmo, escrever esta carta, a propósito dos trabalhos que ao longo do ano ocuparão a toda a Igreja diocesana, quer os nossos bispos, assim como as comunidades de fiéis, para que, seja verdadeiramente um sinal de esperança e de misericórdia, entre nós, como nas restantes zonas do mundo, acompanhando “Evangelium Gaudium” e considerando as transformações sociais positivas que marcam o tempo presente. Não impondo regras radicais, cuja justificação teológica e/ou evangélica ou não têm qualquer fundamento ou tem fundamentos demasiadamente frágeis.
Assim, e sabendo que o que enunciamos é partilhado por largos sectores do Povo de Deus - aliás claramente expresso nas respostas ao inquérito que a Santa Sé fez questão de realizar, no início deste ano, tendo em vista dar substância ao Sínodo preparatório da família (e que agora deseja repetir e alargar) – desejamos com muita força e oração que a hierarquia portuguesa tenha a coragem e a humildade suficientes para enveredar por novos caminhos, deixando-se “surpreender por Deus” como acima referido, a saber:
1) praticar no concreto uma atitude de inclusão dos divorciados recasados, permitindo-lhes o acesso à comunhão se a sua própria consciência assim o pedir;
2) reconhecer que existem pessoas, filhas e filhos de Deus, que nasceram com orientações sexuais distintas da maioria e que tal não pode, à luz da razão e do Evangelho, justificar exclusão de qualquer tipo;
3) deixar de fazer uma distinção não científica e não teológica entre métodos contraceptivos ditos “artificiais” e ditos “naturais”, sabendo que ambos iludem a natureza, como já foi sobejamente reconhecido pelos próprios casais católicos que, em boa consciência, utilizam qualquer método, encarando a parentalidade como um acto de responsabilidade exclusiva do casal, não cabendo à Igreja fazer doutrina sobre a matéria.
4) iniciar uma profunda reforma do sacerdócio questionando, nomeadamente o exercício da sua função, a selecção dos candidatos, a respectiva formação e devolver-lhes a opção de quererem, ou não, viver o seu sacerdócio associado ao matrimónio;
5) enveredar por um caminho sério de colaboração com mais de metade da humanidade – as mulheres, amadas e criadas por Deus - reconhecendo que as desigualdades entre géneros em muito têm contribuído para a pobreza material e espiritual da humanidade. Acresce que a Igreja portuguesa tem tido um papel negativo neste campo: a título de exemplo, face ao pecado da violência doméstica que, neste país, e só em 2014, já resultou em 40 mortes, deixando famílias destroçadas durante gerações, ainda não se ouviu uma tomada de posição firme e condenatória da parte dos nossos bispos;
6) aguardamos igualmente uma palavra pastoral, sobre a violência de pedofilia, seja em que contexto for.
7) acreditamos que as práticas não evangélicas, no interior da família, deverão merecer uma palavra de reflexão dos nossos bispos. No entanto não vale a pena a hierarquia vir propor míticos modelos de família que teriam existido no passado, mas que qualquer análise histórica dá conta que, ou não existiram, ou não eram famílias felizes e, por isso, não são um modelo de cristianismo.
8) a nosso ver, a família deve ser apresentada como um comunidade de afectos em que se procura aprender a viver com a diferença, a respeitar o próximo, a superar os conflitos, onde crianças e adultos conheçam e pratiquem os valores fundamentais da nossa tradição cristã e onde se viva o amor ao próximo como Igreja doméstica, expressão da Fé.
Muito gostaríamos de receber uma resposta a esta nossa carta e, se possível, encetar um diálogo directo com o Senhor Patriarca.
Com as nossas e cordiais saudações, desejando que tenha passado um Santo Natal e tenha um excelente ano de 2015,
Movimento Internacional Nós Somos Igreja-Portugal
- - - - - - - - - - - - - - - -
Foi com satisfação que quase de imediato recebemos a seguinte resposta.
- - - - - - - - - - - - - - - -
Estimadas Senhoras
Agradeço a vossa partilha e tenho presentes essas e outras questões. Algumas têm seguimento na reflexão eclesial, ao nível pontifício, sinodal, etc. Outras estão menos em aberto, pois não se vê como coaduná-las com a tradição cristã-católica em que livremente nos inserimos e da qual partimos para dialogar com todos.
Prossigamos, pois, em reflexão e oração.Cordialmente,
M. Clemente
- - - - - - - - - - - - - - - -
Aguardamos agora que o Senhor Cardeal Patriarca nos receba em audiência para podermos aprofundar o diálogo. Para tal enviámos a seguinte carta.
- - - - - - - - - - - - - - - -
Lisboa, 22 de Janeiro de 2015
Senhor Patriarca de Lisboa
D. Manuel Clemente
Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa
Antes de mais, queremos felicitá-lo e exprimir o nosso contentamento pelo anúncio do seu nome entre os cardeais que pelo Papa Francisco em Roma serão já em Fevereiro consagrados.
Agradecemos a sua pronta resposta à nossa carta de 2 de Janeiro, e a sua disponibilidade para a partilha de oração e reflexão sobre estes tão importantes temas, fundamentais para o Sínodo da Família, em Outubro. Gostaríamos de nos encontrar consigo para uma troca pessoal de impressões e ideias. Quando nos poderá conceder uma audiência?
Com as nossas cordiais saudações
Pelo Movimento Internacional Nós Somos Igreja-Portugal
Ana Vicente
Leonor Xavier
Margarida Pereira-Muller
Sem comentários:
Enviar um comentário