1. Não tenho
nenhuma competência para me juntar à torrente de discursos sobre os modos de enfrentar
os actuais movimentos terroristas, quer nos seus desígnios globais, quer
europeus. Destaco a lucidez do Editorial do PÚBLICO[i]:
Enquanto se financiar sem limites, o
terrorismo continuará a matar. É preciso secar-lhe as raízes.
É sempre possível dizer que as raízes do terrorismo não
são financeiras e que o dinheiro, sempre à disposição, é apenas um recurso
instrumental. Seja como for, as discussões sobre as suas raízes metafísicas, sociais,
éticas e religiosas não podem servir para esquecer a urgência em lhe cortar as
bases e os percursos financeiros. Haverá vontade firme de executar esta
operação, quando os bem conhecidos circuitos do comércio de armas e de seres
humanos continuam, ano após ano, à solta, a crescer e a matar?
Existe, na Arábia Saudita, um campo de Tendas
espantosamente bem equipadas para 3 milhões de pessoas, utilizadas apenas durante 5 dias por ano, na
peregrinação a Meca. Não é nenhum santuário. É uma residência. Pergunta-se: não
deveriam os muçulmanos de todo o mundo serem interpelados pelo escândalo humano
e religioso de verem os seus irmãos na fé terem de fugir para países pagãos, em
condições miseráveis, com a morte por companhia? Que interesses estará esta
situação a esconder? Poderá Alá estar
de acordo com este comportamento da Arábia Saudita e satélites?
Não digo que a indignação e as condenações dos atentados
em Paris e em Bruxelas não sejam profundamente sinceras, aliás como as
condolências que chegaram de todo o lado. Pergunta inevitável: terá finalmente a Europa acordado e
entendido o sentido do que lhe está a acontecer?
2. Quando o
Papa Francisco visitou Lampedusa, transformada num cemitério de vivos e mortos,
resumiu tudo numa só palavra: vergonha!
Poucos se importaram. Os interesses em jogo não podem dar ouvidos a uma sotaina
argentina. Quando, diante das matanças dos cristãos, no Médio Oriente, declarou
aos jornalistas que era preciso suster aquele
avanço do crime, foi logo sussurrado o comentário: diz isso só para salvar
a pele dos cristãos e, afinal, nem é tão pacifista como parece.
Agora, a Europa,
a braços com os refugiados e agredida até à morte pelo terrorismo, desencanta
especialistas em ciência da religiões por todo o lado, mas recusa reanimar o projecto europeu que ainda a
poderia salvar. Podem fazer as coisas mais sensatas e sofisticadas em termos de
segurança. Podem e devem atacar as fontes económicas que alimentam a demência
terrorista a nível mundial! Mas sem fazer da Europa, e não só, uma zona de paz
e desenvolvimento inclusivista, pouco adiantam tantas lágrimas.
3. Uso o
termo reanimar e não ressuscitar, por escrúpulos teológicos. No Novo Testamento
(NT) temos narrativas de “reanimação” de cadáveres, como, por exemplo, a de
Lázaro. Temos outras de encontro com Cristo Ressuscitado, mas não há ninguém a dizer
que tinha visto Jesus a sair do túmulo.
S. Paulo foi muito enfático sobre o evangelho que
anunciou aos Coríntios: «Transmiti-vos, em primeiro lugar, aquilo que eu mesmo
recebi: Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras. Foi
sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. Apareceu a Cefas[ii]
e depois aos Doze. Em seguida, apareceu a mais de quinhentos irmãos só de uma
vez, a maioria dos quais ainda vive, enquanto alguns já adormeceram.
Posteriormente, apareceu a Tiago e, depois, a todos os apóstolos. Em último
lugar, também me apareceu a mim, o abortivo. Pois sou o menor dos apóstolos,
nem sou digno de ser chamado apóstolo, porque persegui a Igreja de Deus[iii].
Como dizíamos, nenhuma destas testemunhas afirma que
viu Cristo a ressuscitar.
Aqueles que pensavam que o percurso de Jesus tinha sido
sepultado para sempre, testemunharam que ele se tornou a vida das suas vidas,
que ressuscitou neles uma esperança invencível, que tinham de continuar com
Cristo um projecto que não pode morrer. A evidência empírica da morte não é a
última palavra sobre a aventura humana.
Se em Deus vivemos, nos movemos e existimos, se a nossa
vida está no coração de Deus, esconde-se na nossa existência terrena o mistério
que, apenas, a fé na ressurreição nos pode revelar.
A apologia que S. Paulo faz da fé na ressurreição dos
mortos não tem nada a ver com uma atitude fideísta, um eclipse da razão, hoje
muito frequente: quem acredita, acredita; quem não acredita, não acredita e
pronto. A fé é uma graça e eu não recebi
essa graça.
Mas assim o que resta? Uma confissão niilista acerca da
vida humana. Faça-se o que se fizer, aconteça o que acontecer, a última palavra
é a morte. O resto é só para entreter os que tiverem sorte. Por alguns anos.
S. Paulo julga esta posição miserável, pois não vence a
morte. Ele acredita na ressurreição, que
não é na reanimação de um cadáver, um
regresso ao mesmo.
Os cristãos europeus, mulheres e homens, jovens e
adultos não podem fingir que é possível reanimar o projecto europeu. Seria
investir num caminho que já não leva a lado nenhum.
O que importa é a ressurreição da Europa. Como? Veremos
Frei Bento Domingues, O.P.
in Público 27.03.2016