Gosto desta condição a que a Ana Vicente chama a rotina do quotidiano, para levar os dias carregando Jesus no coração. Cristãos, homens e mulheres no anonimato das cidades, aqui estamos a viver este tempo de Natal, ainda Advento na espera da noite clara de estrelas e anjos, motivo de fé e aleluia no mundo inteiro e motivo de festa nesta parte ocidental do mundo. Mergulhamos nos rituais profanos próprios da época, desfiamos as horas em contagem decrescente até ao nascimento do Menino, a cada ano renovada. A tentação de divagar sobre o Natal é grande e óbvia, passo os olhos pela minha estante de livros, vejo as antologias de contos e de poesia, mais os títulos dos clássicos, entre os discos repasso as compilações de cânticos e de músicas, na rua há poucos enfeites, mas lá estão eles nas montras das lojas, por favor, não industrializemos o Natal, pedia o poeta Carlos Drummond de Andrade.
Mas é maior em mim a ideia de temperar a baixa e chata rotina do quotidiano de ano inteiro com a luminosa, fecunda, criativa, emocionante presença de Jesus, descobrindo um novo sentido nesta vida. Usar os cinco sentidos da minha natureza humana para ter atenção ao mundo à minha volta, para tentar perceber os outros e perceber-me a mim própria. Aproveitar as circunstâncias mais banais ou comuns para melhor descobrir os significados das minúcias de cada dia.
Por exemplo: reli os textos publicados no blogue do Nós Somos Igreja e gostei de pensar em unidade na diversidade. Parei com a imagem de cada um dos autores e autoras, tão diferentes e variados nos seus caminhos e circunstâncias, e nesta noite em que escrevo, sem ser Natal, sinto uma quentura de fraterno bem-querer no coração, se calhar Jesus está a passar silenciosamente por aqui, a amansar a impaciência que me provocam os comentadores de televisão, os debates de opinião, os analistas políticos, as primeiras páginas do Correio da Manhã e das revistas onde o estupro, a traição, o logro, pretendem povoar os dias dos cidadãos, no tal quotidiano em que é bom saber que Deus está connosco.
Por exemplo: andar nos autocarros e no metro e substituir desprezos ou distâncias, ou mesmo compaixão, pelo exercício de fingir, como o Fernando Pessoa, que eu sou aquele outro ou outra no banco à minha frente. Que vida será aquela? Que palavra de Jesus carrega em si, que invocação, que súplica, que perdão pedirá?
Por exemplo, dar graças por tudo e por nada, à toa, porque a fé se renova a cada momento na tal rotina do quotidiano, bem o sabiam os simples e antigos que a Deus pediam vida e sorte e pão, e nem nos tempos mais difíceis se esqueciam de agradecer a sobrevivência.
Leonor Xavier
12 de Dezembro de 2011
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