Revista O Tempo e o Modo
Porque as datas comemoradas são espevitamento para o espírito e estímulo para a peregrinação por livros, documentos, arquivos, duplamente influenciada por estes condimentos, faço uma homenagem à memória de D. Hélder Câmara e uma evocação da revista O Tempo e o Modo, registo glorioso de intervenção, quando os intelectuais eram entre nós criativos, sedutores e sábios, no seu jeito de trocar ideias e assumir a inteligência do mundo.
Em 11 de Outubro de 1962, o discurso do Papa João XXIII inaugurava o Concílio Vaticano II. Publicado três meses depois, em 29 de Janeiro de 1963, o primeiro número da revista O Tempo e o Modo exprimia em Portugal a inquietação de pensamento que agitava o mundo, na altura. Uma revista de pensamento e acção, que foi “expressão do nosso mal-estar em relação à sociedade em que vivíamos”, escrevia António Alçada Baptista sobre a sua razão de ser. Um grupo de cinco católicos, António Alçada Baptista, João Bénard da Costa, Pedro Tamen, Nuno de Bragança, Alberto Vaz da Silva, Mário Murteira, concretizavam o projecto. Inquietos, inconformados, dispostos a intervir, a transformar, a contestar, sabiam que a mudança de mentalidades começaria pela abertura da revista a outros colaboradores católicos e também a agnósticos, ampliando vozes e expressões. Comunidade maior, que logo integrou Mário Soares e Salgado Zenha, e em sequência Francisco Lino Neto, Adérito Sedas Nunes, Jorge Sampaio, Manuel de Lucena, Manuel dos Santos Loureiro, Mário Sottomayor Cardia, Vasco Pulido Valente, João Cravinho, além de tantos outros. Alçada Baptista, director, Pedro Tamen, editor, Bénard da Costa, chefe de redacção, Alberto Vaz da Silva e Nuno de Bragança, redactores principais, eram formalmente responsáveis pela revista de tantos esforços e esperanças nascida.
O número um de “O Tempo e o Modo” seria visionário, pelos artigos assinados de Alçada Baptista, Mário Soares, Jorge Sampaio. Ao longo dos meses, seguiram-se páginas exemplares para a diversidade e a diferença, a discussão e o diálogo. Para um olhar sobre as grandes questões do século XX e a consciência da liberdade desejada. Um olhar sobre os temas que inquietavam o mundo, em definitivas mudanças. Sobre a criação literária, tão versátil nos moldes, estilos e estéticas, com seus conflitos e confrontos.
E no número Um de O Tempo e o Modo, da crónica de Manuel Murteira intitulada “O Concílio Vaticano II”, tomo a liberdade de transcrever as
Declarações de D. Hélder Câmara, então Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro, no fim da sessão de 14 de Novembro de 1962, a primeira do Concílio Vaticano II: “Não precisamos de ser profetas para adivinhar o que tocamos com os nossos dedos. Quem não vê que a infabilidade e o Primado do Papa vão ser postos no seu verdadeiro enquadramento, a colegialidade do Episcopado? Quem não vê que o lugar dos leigos na Igreja, lugar insubstituível, vai ser reconhecido e proclamado? Quem não vê que a orientação da Igreja nos próximos cem anos vai ser na linha pastoral e comunitária? Quem não vê que a Igreja já não quer ficar à espera dos irmãos cristãos separados, mas está disposta a ir-lhes ao encontro? Quem não vê que a Igreja vai dar passos importantes para reencontrar os caminhos da pobreza?”
Agora, cinquenta anos depois, os sinais de mudança desejada assim formulados são um bom tema de conversa a múltiplas vozes. A Igreja ou a Palavra de Jesus em nós, as circunstâncias tão precárias deste mundo vertiginoso, a renovação sim ou não acontecida e a acontecer.
Leonor Xavier
25 de Fevereiro de 2012
Em 11 de Outubro de 1962, o discurso do Papa João XXIII inaugurava o Concílio Vaticano II. Publicado três meses depois, em 29 de Janeiro de 1963, o primeiro número da revista O Tempo e o Modo exprimia em Portugal a inquietação de pensamento que agitava o mundo, na altura. Uma revista de pensamento e acção, que foi “expressão do nosso mal-estar em relação à sociedade em que vivíamos”, escrevia António Alçada Baptista sobre a sua razão de ser. Um grupo de cinco católicos, António Alçada Baptista, João Bénard da Costa, Pedro Tamen, Nuno de Bragança, Alberto Vaz da Silva, Mário Murteira, concretizavam o projecto. Inquietos, inconformados, dispostos a intervir, a transformar, a contestar, sabiam que a mudança de mentalidades começaria pela abertura da revista a outros colaboradores católicos e também a agnósticos, ampliando vozes e expressões. Comunidade maior, que logo integrou Mário Soares e Salgado Zenha, e em sequência Francisco Lino Neto, Adérito Sedas Nunes, Jorge Sampaio, Manuel de Lucena, Manuel dos Santos Loureiro, Mário Sottomayor Cardia, Vasco Pulido Valente, João Cravinho, além de tantos outros. Alçada Baptista, director, Pedro Tamen, editor, Bénard da Costa, chefe de redacção, Alberto Vaz da Silva e Nuno de Bragança, redactores principais, eram formalmente responsáveis pela revista de tantos esforços e esperanças nascida.
O número um de “O Tempo e o Modo” seria visionário, pelos artigos assinados de Alçada Baptista, Mário Soares, Jorge Sampaio. Ao longo dos meses, seguiram-se páginas exemplares para a diversidade e a diferença, a discussão e o diálogo. Para um olhar sobre as grandes questões do século XX e a consciência da liberdade desejada. Um olhar sobre os temas que inquietavam o mundo, em definitivas mudanças. Sobre a criação literária, tão versátil nos moldes, estilos e estéticas, com seus conflitos e confrontos.
E no número Um de O Tempo e o Modo, da crónica de Manuel Murteira intitulada “O Concílio Vaticano II”, tomo a liberdade de transcrever as
Declarações de D. Hélder Câmara, então Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro, no fim da sessão de 14 de Novembro de 1962, a primeira do Concílio Vaticano II: “Não precisamos de ser profetas para adivinhar o que tocamos com os nossos dedos. Quem não vê que a infabilidade e o Primado do Papa vão ser postos no seu verdadeiro enquadramento, a colegialidade do Episcopado? Quem não vê que o lugar dos leigos na Igreja, lugar insubstituível, vai ser reconhecido e proclamado? Quem não vê que a orientação da Igreja nos próximos cem anos vai ser na linha pastoral e comunitária? Quem não vê que a Igreja já não quer ficar à espera dos irmãos cristãos separados, mas está disposta a ir-lhes ao encontro? Quem não vê que a Igreja vai dar passos importantes para reencontrar os caminhos da pobreza?”
Agora, cinquenta anos depois, os sinais de mudança desejada assim formulados são um bom tema de conversa a múltiplas vozes. A Igreja ou a Palavra de Jesus em nós, as circunstâncias tão precárias deste mundo vertiginoso, a renovação sim ou não acontecida e a acontecer.
Leonor Xavier
25 de Fevereiro de 2012