1. O
Estado português, mediante o seu governo, deveria exigir uma grande
indemnização à Toika, pois ela
própria confessa que a receita da austeridade aplicada prejudicou muitos
sectores da economia nacional. Se um médico prescreve uma receita, é para curar
uma doença. Se ele se enganar e, sobretudo, se avisado persistir na receita,
pode ser obrigado a pagar uma indemnização à vítima. Os representantes do FMI,
da CE e do BCE, em Portugal, solidarizaram-se com a auto-crítica da senhora C.
Lagarde. E não acontece nada?!
2. Os
testes internacionais do PISA evidenciam excelentes melhorias nos resultados do
nosso sistema escolar, desde o ano 2000. Avisam que alterações à linha seguida
podem prejudicar estes bons resultados. As opções quanto à investigação
científica e ao ensino superior revelam a sua boa orientação através dos muitos
prémios nacionais e internacionais. As medidas da Troika podem prejudicar o caminho percorrido. A grande emigração de
jovens diplomados afecta o futuro do país.
3. O
desemprego jovem, ou de longa duração, não encoraja a vontade de pôr crianças
neste mundo. Este é, talvez, a pior das austeridades.
4. A
privatização de empresas fundamentais e lucrativas não é a melhor forma de
arranjar dinheiro para pagar a dívida.
5. A
nível global, há 35 mil milhões de dólares estacionados em paraísos fiscais. Este
montante, que é equivalente a toda a riqueza a criar em Portugal nos próximos
135 anos, mina o comércio internacional e cria uma bola de neve de batota
fiscal, com consequências danosas para a economia mundial (João Pedro Martins).
6. A
revista Time elegeu o Papa como a
figura do ano. Como explicou o seu chefe de redacção, ele situou-se no centro
dos mais importantes debates do nosso tempo: sobre a riqueza e a pobreza,
equidade e justiça, transparência, modernidade, globalização, papel das
mulheres, natureza do casamento e as tentações do poder. No programa Prós e
Contras, do dia 9.12.2013, sobre as intervenções do Papa Francisco, com
honrosas excepções, martelou-se a ideia de que ele não trouxe nada de novo.
Além disso, não sabe nada de economia, doutro modo não diria que esta economia mata. Insistiu-se no facto
da Igreja (creio que confundida com a hierarquia) ter um problema de
comunicação. Esta Papa é um bom comunicador, mas é melhor ler as encíclicas de Bento XVI e espera-se que escreva um documento a sério sobre a pobreza.
Este método de desclassificação da mensagem e do
mensageiro quando não nos agradam é muito velho. Vem direitinho em S. Lucas:
(…) não podeis servir a Deus e ao
Dinheiro. Os fariseus, amigos do dinheiro, ouviam tudo isto e zombavam dele.
Jesus disse-lhes: vós sois como os que querem passar por justos diante dos
homens, mas Deus conhece os corações; O que é elevado para os homens, é
abominável diante de Deus (Lc 16, 13-15).
7. No
já referido programa surgiu outro
tema, que tem tanto de interessante como de aberrante. Refere-se às motivações
do Papa, ao preocupar-se com os pobres, os excluídos, as vítimas da história. Insistiu-se
que era por causa de Cristo que o Papa chamava a atenção para esse mundo. Não
era por causa dos excluídos. Era por razões teológicas e cristãs, por motivos
sobrenaturais.
Eu já tinha conhecido um professor de teologia
moral que sustentava, perante os alunos, que o amor dos pais pelos filhos só tinha
mérito se os amasse por amor a Deus. Os filhos não contavam por serem filhos.
Agora, o amor, a dedicação, o socorro dos aflitos só valem se forem uma prática
em nome de Cristo. Sem Cristo isso não vale nada.
Espero que o Papa tenha excelentes motivações
sobrenaturais. Mas este socorrismo sobrenatural tem, pelo menos, o
inconveniente de contradizer o capítulo 25 de S. Mateus e a parábola do
Samaritano. Sem nenhum motivo teológico invocado, o Senhor da história diz que
aqueles que socorreram os que precisavam, só porque precisavam, sem outro
motivo, foi ao próprio Deus que serviram. Jesus escolheu o exemplo de um
samaritano – membro do povo adversário de Israel – para o contrapor ao comportamento
do sacerdote e do levita, que viram a vítima de um assalto na valeta e passaram
adiante.
8. O
Papa Francisco, desde o começo das suas atitudes e intervenções até à recente Exortação Apostólica tem proposto a
revisão da teologia, da pastoral e das espiritualidades mais recentes e mais em
voga. Em muitos casos, tem sido um universo de clérigos e leigos de olhos
fechados. Por causa de Deus não vêem o mundo. De facto, nem é por causa de
Deus. Já no Genesis, Deus fazia perguntas aborrecidas: que fizeste ao teu
irmão? Segundo o Novo Testamento, todo o bem que se faz - só porque o outro
precisa - é o encontro com o Absoluto. E até se pode invocar o nome de Deus em
vão: não é quem diz Senhor, Senhor que
entrará no Reino dos Céus. O seguimento de Jesus nem sempre é por bons
motivos: os filhos de Zebedeu, que tinham largado tudo para o seguirem,
procuravam fazer carreira política. Desconfio muito de uma religião
despreocupada com a transformação dos mundos da injustiça. É uma religião sem
ética. É miserável a religião que não é afectada pela miséria daqueles que nada
podem fazer pelo seu futuro. A solidariedade que favorece a preguiça é um
roubo.
Bom ano!
Frei Bento Domingues, O.P.
12.12.2013
in Mensageiro
de Santo António
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