Há uns tempos conheci na Galiza um pequeno movimento fronteiriço com o slogan: “o Miño no nos separa”. A referência é ao rio e, ali perto, faz parte da realidade envolvente uma “Ponte da Amizade” que liga as duas margens. Trata-se de uma vivência concreta que ao mesmo tempo pode servir de metáfora. Diz S. Paulo: “Porque estou certo de que nem a morte, nem a vida, nem anjos, nem principados, nem coisas presentes, nem futuras, nem potestades, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor.” (Rom 8,38-39). Se criaturas tão importantes e assustadoras não o poderão fazer, ninguém o fará. Nem a Igreja, claro, só faltava. Não me refiro à Cúria romana, que essa tem-se comportado frequentemente como um campo de embondeiros (segundo a imagem do Principezinho). Refiro-me ao que é mesmo Igreja, e essa de modo algum poderá alguma vez separar-nos. Não pode porque isso seria a negação da sua natureza e ainda mais de uma realidade que é determinante em Jesus: a inclusão. O que poderá então separar-nos? Provavelmente os nossos diferentes entendimentos de ser Igreja. Provavelmente as opiniões diferentes ou divergentes sobre aspectos da estrutura eclesiástica, mais que eclesial, de costumes mais que de tradições, de leis mais que da fé. Se é assim nem chegamos a estar separados, uns e outros somos a Igreja ao largo dos vários continentes. Nós também. Não sei se alguém tem coragem de dizer que há gente na Igreja que não é Igreja. Penso que não, pois a diversidade das vivências da fé é da matriz do cristianismo, e quando alguém ousou empurrar outros para fora por se considerar a si mesmo detentor da verdade suprema foi esse alguém que ficou de fora. É claro que nem todos somos ouvidos, ou ouvidos com a mesma atenção, e devíamos ser. É claro que há cúpulas muito poderosas como em todas as comunidades humanas e não devia haver. É claro que há a tal Cúria romana com o seu funcionamento de máquina ronceira e viciada. Mas essas instâncias deverão saber a importância que têm na Igreja e nós a importância que lhes deve ser dada. Não é a Igreja que nos separa, não são as diferentes formas de ser Igreja que nos separam. Poderá ser o embate das razões, causas, interesses e opções que envolvem as nossas vidas e têm mais ou menos importância conforme são mais próximas ou mais distantes. Há um ditado, provavelmente das arábias, que diz: os cães ladram, mas a caravana passa. Mas se a caravana decide andar para trás e para a frente para manter os cães a ladrar, ao fim de uns tempos os pobrezinhos ficam exaustos. É preferível não nos cansarmos demasiado com certas coisas, porque elas irão mudar sem dúvida alguma. Parece mais razoável cada grupo, comunidade ou outra estrutura qualquer ir vivendo a mensagem de Jesus como deseja e é capaz. Se alguém se opuser a isso, nesse momento poderemos “dar razões da nossa esperança” e afirmar que nada, nem ninguém, nos pode separar do amor de Cristo, de Deus. Se “o Miño no nos separa”, como deixar que o faça uma coisa tão sem graça? Deus é grande e o seu amor não tem limites. No amor de Deus “que está em Cristo Jesus, nosso Senhor”, não há papão que nos faça tremer de medo nem diabo que nos leve ao pináculo do Templo.
Frei Matias, O.P.
Março 2013
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