1. Até à eleição do novo Papa, não se pode estranhar o interesse pelas curiosidades mais normais, mais cómicas, doentias ou perversas, quer acerca de Joseph Ratzinger e da sua nova etapa de vida, quer sobre a pessoa desejável para estar à frente do Vaticano.
Quanto a Ratzinger, ver-se-á se vai ou não poder cumprir a promessa de permanecer escondido do mundo. Vestido de branco, de azul ou de preto, que interessa? Para o porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, foi importante esclarecer que poderá continuar a vestir-se de branco, mas que as suas vestes serão simples e diferentes das usadas pelo Papa, mas nada disse sobre as futuras relações com a Prada.
Os mais espirituais e cultos estão interessados nas orações que vai rezar, na música que irá tocar, nos livros que tem para ler e nos que vai escrever. Poderá vir a ser conselheiro do novo Papa? Aqueles que insistem em lhe chamar Papa Emérito (também haverá emérita infalibilidade?) não se apercebem que estão a defender a coexistência de dois Papas. Será normal que venham a surgir narrativas, mais ou menos romanceadas, acerca da vida secreta de J. Ratzinger, no seu retiro. A imaginação das pessoas não vai arrefecer.
Por mim, espero que seja muito feliz e que não surja nenhum vidente a revelar quanto ele continua a sofrer com as desgraças da Igreja.
Será preciso deitar água fria nas preocupações acerca do perfil do futuro eleito. Não porque não sejam importantes, mas ainda é mais importante passá-las para segundo plano. A insistência na configuração do novo Pontífice leva, facilmente, a pensar que basta um bom Papa para ficarem resolvidos todos os problemas. Quem assim pensa esquece que, no século passado, o Vaticano teve grandes figuras à sua frente, uma delas foi mesmo um santo genial, João XXIII, que nunca perdeu o bom humor, pois sabia que o aggiornamento da Igreja não podia ser só obra sua. De João Paulo I, só ficámos com um mês de sorrisos e o projecto de dar uma volta à Cúria Romana.
2. A primeira característica do perfil do novo Papa – passe a repetida expressão – será a de alguém que entenda, de forma prática, que aquilo que diz respeito a todos, deve ser tratado por todos. Não interessa uma pessoa decidida a fazer a reforma da Igreja, segundo o seu ponto de vista particular. O que importa é alguém preocupado em encontrar um método que mobilize e implique o povo cristão na alteração do actual modelo de governo da Igreja. Não interessa caiar um sepulcro.
Dizendo isto, fica tudo por dizer, pois é urgente encontrar o caminho que nas paróquias, nos movimentos, nas Congregações religiosas, na nomeação dos Bispos, no exercício da colegialidade, na vida das dioceses e nas suas diversas instâncias realize o confronto do projecto de Jesus - segundo o que dele podemos observar no Novo Testamento, na história da Igreja e não apenas na dos Papas -, com as urgências do mundo actual, na sua grande diversidade, submetido a processos de globalização, que acabam por acentuar o abismo entre pobres e ricos.
Seria ridículo sonhar com um método que colocasse a Igreja de quarentena, parada até que a reforma esteja pronta. É em andamento que as transformações se vão realizando e nunca se pode começar do zero. O sonho de uma Igreja, sem mancha nem ruga, constituída por pequenos grupos de santos e puros, seria a perversão das perversões.
3. Uma das grandes vergonhas pelas quais a Igreja, no seu conjunto, passou, e está a passar, tem a ver com a pedofilia que envolveu várias figuras da hierarquia católica. Sem o combate a este flagelo, nenhum programa de um novo Papa, ou melhor de um novo governo da Igreja, terá qualquer credibilidade. O melhor é erradicar as instituições que possam encobrir esse tipo de práticas e não consentir que pessoas que tenham essas tendências possam ter qualquer acção pastoral que as coloque junto de crianças.
O programa de um novo governo da Igreja não pode estar polarizado apenas por esta questão. Existem, actualmente, vários projectos em curso, na Igreja católica. Destaco a redescoberta de uma memória, ora esquecida ora atraiçoada, o Vaticano II. A Nova Evangelização é um horizonte que o Ano da Fé procura activar.
João Paulo II, durante o seu pontificado, tentou que a Igreja tivesse uma visibilidade mundial através das suas viagens e intervenções. Por maiores que sejam as críticas ao seu método, não há dúvida que a Igreja passou a fazer parte de todos os noticiários. Durante esse tempo, foram neutralizadas todas as vozes, experiências e iniciativas que seguiam ou propunham outros caminhos. O Cardeal Ratzinger, um teólogo do Concílio e de mérito reconhecido, assustado com a pluralidade crítica de expressões teológicas, como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, encarregou-se de as neutralizar.
Neste momento, já não estamos nos anos 80/90. Estamos no século XXI. De que é que precisa a Igreja para escutar os desafios do mundo de hoje e participar na descoberta de novos caminhos para uma civilização que já não sabe de que terra é?
Frei Bento Domingues, O.P.
3.03.2013
Fiquei sem perceber o que quiz o F. Bento dizer com: "O sonho de uma Igreja, sem mancha nem ruga, constituída por pequenos grupos de santos e puros, seria a perversão das perversões."
ResponderEliminarMesmo porque, este foi o modelo de igreja que os apóstolos colocaram em prática em seus dias..., todos devem saber que os apóstolos e os primeiros cristãos não dispunham de templos para servir a Deus, e no livro de Actos, repetidas vezes lemos a expressão: "saudai a igreja que se reúne em casa de...".
» Será que F. Bento está a ser irónico ?
» Ou está a criticar algum modelo de igreja praticado fora e/ou dentro da ICAR ?
» Está a criticar a teologia da Libertação de Boff?
O Paradoxo é que, desde os anos 60, década em que surgiu este movimento de uma igreja que funciona nas casas com pequenos grupos - na Coreia do Sul - tem levado as igrejas de confissão evangélica a um crescimento crescente, constante e exponencial - em todo o mundo.
Para citar só um exemplo que conheço lá no Brasil: a Igreja Batista da Lagoinha:http://www.lagoinha.com/ibl-igreja/
Esta igreja no início dos anos 80 tinha um templo sede em Belo Horizonte, e cerca de mais 100 outros templos (congregações) espalhadas pela cidade e pelo estado.
O Pastor Márcio Valadão - ainda é o pastor titular - decidiu enviar uma equipa de 10 pessoas para tirar uma formação de "igreja em pequenos grupos" na Coreia do Sul. Passaram lá 2 anos. Nos finais dos anos 80, fizeram a transição, a mudança.
Todas as congregações foram emancipadas - isto é, passaram a ter total autonomia e total independencia. Ou seja, desligaram-se de tudo que lhes "atrelava" à igreja sede em BH.
O Resultado ?
O Ministério da igreja da Lagoinha com as 100 congregações, tinha ao todo cerca de 2000 pessoas.
No ano de 1997, sete anos depois da mudança, a igreja da Lagoinha em BH já contava com cerca de 10 mil pessoas!
Hoje conta com cerca de 20 mil pessoas e não pára de se expandir com os chamados pequenos grupos, a exemplo da igreja dos apóstolos. O Seu templo em BH só no salão principal, cabem 8 mil pessoas sentadas. Lá actualmente realizam-se 8 cultos (missas) todos com lotação completa - fora outros cultos que acontecem nas salas anexas: para jovens, adolescentes e crianças. Ou seja, a frequencia dominical actual desta igreja passa de 50 mil pessoas. E Há dezenas de outras igrejas como esta no Brasil.
Por isso, não percebo a crítica do F. Bento, acerca da igreja em pequenos grupos.
Um abraço.
Campos de Sousa