1. Quando, perante uma situação insuportável, na Igreja ou na sociedade, no âmbito teológico ou político, se diz que não há alternativa, é sinal de que a ditadura não anda longe. Se não for passagem para uma possível superação, o simples jogo dos “prós e contras” não passa de um entretém. O importante é uma arquitectura que supere e integre o que existe de fecundo entre posições que enlouquecem no isolamento ou no choque frontal.
Na Doutrina Social da Igreja (DSI)[i], o tema do bem comum é incontornável. Para João Paulo II, constituía mesmo o seu ponto-chave.
Para Friedrich A. Hayek, o bem comum é um conceito primitivo que remonta aos instintos ancestrais de tribos de caçadores, no tempo em que as pulsões colectivistas dominavam a consciência humana.
Ao contrário deste célebre autor, a noção de justiça social e de bem comum têm outras fontes, bíblicas e greco-romanas, alimentadas por alguns Padres da Igreja. Tomás de Aquino, na linha de Aristóteles, deu a este conceito a função de princípio da sua arquitectura ético-política.
Já Sto Agostinho[ii] via que a questão social não se resolve com falsos elogios à caridade: “não devemos desejar que haja indigentes para poder exercitar as obras de caridade. Dás pão ao faminto, mas melhor seria que ninguém passasse fome e não fosse necessário socorrer ninguém. […] Todas estas acções são motivadas pela misericórdia. Esquece, porém, os indigentes e logo cessarão as obras de misericórdia; mas acaso se extinguirá a caridade? Mais autenticamente amas o homem feliz a quem não há necessidade de socorrer; mais puro será este amor e muito mais sincero. Porque, se socorres o necessitado, desejas elevar-te acima dele e que ele te fique sujeito, porque recebe de ti um benefício. O necessitado, tu o ajudaste por isso te crês como superior aquele a quem socorreste”.
No pensamento de Tomás de Aquino, recolhido na DSI, o princípio dos princípios é o destino universal dos bens, que não impede a propriedade privada, mas não faz dela um absoluto. É, precisamente, o conceito de bem comum que integra os direitos e os deveres das pessoas, num todo, sem excluir ninguém. Pertence à virtude da justiça garantir que os direitos e deveres de uns não neguem os direitos e deveres de outros.
2. Jacques Maritain[iii] teve o mérito de, nos anos 40, obrigar a debater as relações entre a pessoa e o bem comum, não como excluindo-se, mas como exigindo-se mutuamente. O primado da pessoa é o primado de todas as pessoas, não é o privilégio de algumas. Pertence aos governantes o cuidado do bem comum, para que a política não sirva privilégios, mas a justiça.
Michael Novak[iv], em pleno triunfo do liberalismo, lembrou que a democracia liberal tinha as suas raízes na tradição judaico-cristã e não na teoria racionalista do século XVIII. Pretende que a noção de bem comum é tão familiar aos antigos gregos, aos Padres da Igreja, como à democracia norte americana. Matéria de discussão. De qualquer modo, estamos longe de fazer da noção de bem comum um primitivismo sobrevivendo mal na DSI.
3. Christian Felber[v] é uma personalidade singular. Professor de economia na Universidade de Viena, escreve sobre economia e sociologia, sem deixar de ser bailarino de dança contemporânea. É membro fundador do movimento de justiça global Attac, na Áustria, e iniciador da denominada Banca Democrática. Com um grupo de empresários de sucesso, Felber desenvolveu um modelo conhecido como Economia do Bem Comum ou Economia do bem estar público, como alternativa teórica ao capitalismo de mercado e à economia planificada.
Este tipo de economia deve reger-se por uma série de princípios básicos: confiança, honestidade, responsabilidade, cooperação, solidariedade, generosidade e compaixão, entre outros. Para os seus defensores, as empresas que se guiarem por estes valores deveriam obter vantagens legais que lhes permitissem sobreviver onde imperam as leis do lucro e da competição.
Hoje em dia, mede-se o êxito económico por indicadores monetários: produto interno bruto e lucros que excluem os seres humanos e o seu meio ambiente. Estes indicadores não dizem se há guerra, ditadura, destruição do meio ambiente, etc. De igual modo, uma empresa que obtém lucros – e deve-os obter - não diz em que condições vivem os seus trabalhadores, o que produzem, ou como o produzem.
Pelo contrário, o balanço do bem comum de uma empresa mede-se pelo modo como nela se vive: a dignidade humana, a solidariedade, a justiça social, a sustentabilidade ecológica, a democracia com todos os que nela participam e com os seus clientes.
Tudo isto poderia ser apenas o mundo de boas intenções. As suas realizações em vários países mostram que são possíveis alternativas ao capitalismo de mercado e à economia planificada.
O que Felber diz das abissais desigualdades de salário na Alemanha, onde os altos executivos ganham 5.000 vezes mais do que o salário mínimo legal, deveria ser proibido por lei. Não só na Alemanha. (www.economia-del-bien-comun.org).
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