"Dantes era pior, tens de admitir." Ao aproximar-se mais um 8 de Março, Dia Internacional das Mulheres, continuamos a ouvir esta frase ou variantes da mesma, dita por mulheres ou homens. Respondo que essa mesma frase podia ser dita nos anos que se seguiram ao alargamento do sufrágio às mulheres. Seria igualmente verdadeira. Seria igualmente insatisfatória. O objectivo da igualdade de género está longe de ser alcançado.
Em todo o mundo, e em Portugal quase semanalmente, maridos/amantes/namorados despeitados continuam a matar as mulheres que fingiram amar, porque elas ousaram pôr fim à relação ou porque não cozinharam o jantar a tempo e horas (foram 33 em 2012). A violação de mulheres e meninas transformou-se numa arma de guerra, num acto de formação para o negócio da prostituição ou simplesmente o direito ao uso de uma vagina, que não está lá para outro fim.
Observa-se um noticiário televisivo e constata-se que na União Europeia - apesar de tudo, e de longe, a zona do mundo onde melhor se respeitam os direitos humanos, quer das mulheres quer dos homens -, como em todas as zonas do mundo, com algumas raras excepções, o poder político e económico se encontra cansantivamente concentrado em mãos masculinas em percentagens assustadoras, e com os resultados nada brilhantes com os quais convivemos diariamente. Alegro-me com a lei da paridade que existe em Portugal, mas então porquê só duas mulheres ministras?
Os meios de comunicação social, cujos conteúdos já são, muitas vezes, construídos por mãos femininas, dão, insistentemente, espaço e voz a sábios quase exclusivamente do sexo masculino, que sobre tudo se pronunciam e sobre tudo são especialistas. Foi necessário aparecer um "falso" para se constatar que, afinal, emitia opiniões semelhantes aos outros. Há mesmo jornais e revistas onde não é possível encontrar mulheres colunistas - não se apercebem as/os decisoras/es do absurdo da situação? Saberão que em Portugal, a maior parte dos licenciados e dos doutorados são mulheres? Que a maioria dos desempregados são homens?
Tal acontece num programa tão simbólico como é o Prós e Contras, onde Fátima Campos Ferreira admitiu, recentemente, que a ausência de mulheres estava a ser criticada, defendendo-se com o facto de muitas recusarem os convites. Uma razão que com vontade e persistência se ultrapassa facilmente. O suplemento do PÚBLICO, o Inimigo Público, é frequentemente atravessado por um discurso antifeminista primário - já não é aceitável fazer piadas racistas mas as sexistas, venham elas.
Mas é indiscutivelmente na área religiosa onde o estatuto minoritário atribuído às mulheres se torna mais chocante. Até porque os valores éticos comuns a todas as religiões monoteístas apelam à justiça, à equidade, à fraternidade. Na Igreja Católica, o poder de decisão encontra-se exclusivamente em mãos masculinas - em total contradição com a mensagem fundadora contida nos Evangelhos. Neste mês de Março assistimos à escolha de um novo Papa, pessoa que, segundo a tradição, deveria actuar como "o servo dos servos de Deus". Escolhido apenas por cardeais de entre um grupo de 118 pares, este conjunto de senhores idosos (alguns ainda mais idosos do que eu) ultrapassa, inexplicavelmente, o estatuto e a função dos bispos espalhados pelo mundo, já sem falar da comunidade de crentes. Parecem ignorar que o mundo lá fora está em movimento e é constituído por mulheres, homens e crianças, nas suas infinitas variedades, mas revestidos da igual dignidade conferida pelo Criador. Alegremo-nos, contudo, porque, em todas as religiões, as mulheres, em grande número, estão a questionar as interpretações das autoridades masculinas. A resistência é forte mas o poder da ética é imenso.
Ana Vicente
Em todo o mundo, e em Portugal quase semanalmente, maridos/amantes/namorados despeitados continuam a matar as mulheres que fingiram amar, porque elas ousaram pôr fim à relação ou porque não cozinharam o jantar a tempo e horas (foram 33 em 2012). A violação de mulheres e meninas transformou-se numa arma de guerra, num acto de formação para o negócio da prostituição ou simplesmente o direito ao uso de uma vagina, que não está lá para outro fim.
Observa-se um noticiário televisivo e constata-se que na União Europeia - apesar de tudo, e de longe, a zona do mundo onde melhor se respeitam os direitos humanos, quer das mulheres quer dos homens -, como em todas as zonas do mundo, com algumas raras excepções, o poder político e económico se encontra cansantivamente concentrado em mãos masculinas em percentagens assustadoras, e com os resultados nada brilhantes com os quais convivemos diariamente. Alegro-me com a lei da paridade que existe em Portugal, mas então porquê só duas mulheres ministras?
Os meios de comunicação social, cujos conteúdos já são, muitas vezes, construídos por mãos femininas, dão, insistentemente, espaço e voz a sábios quase exclusivamente do sexo masculino, que sobre tudo se pronunciam e sobre tudo são especialistas. Foi necessário aparecer um "falso" para se constatar que, afinal, emitia opiniões semelhantes aos outros. Há mesmo jornais e revistas onde não é possível encontrar mulheres colunistas - não se apercebem as/os decisoras/es do absurdo da situação? Saberão que em Portugal, a maior parte dos licenciados e dos doutorados são mulheres? Que a maioria dos desempregados são homens?
Tal acontece num programa tão simbólico como é o Prós e Contras, onde Fátima Campos Ferreira admitiu, recentemente, que a ausência de mulheres estava a ser criticada, defendendo-se com o facto de muitas recusarem os convites. Uma razão que com vontade e persistência se ultrapassa facilmente. O suplemento do PÚBLICO, o Inimigo Público, é frequentemente atravessado por um discurso antifeminista primário - já não é aceitável fazer piadas racistas mas as sexistas, venham elas.
Mas é indiscutivelmente na área religiosa onde o estatuto minoritário atribuído às mulheres se torna mais chocante. Até porque os valores éticos comuns a todas as religiões monoteístas apelam à justiça, à equidade, à fraternidade. Na Igreja Católica, o poder de decisão encontra-se exclusivamente em mãos masculinas - em total contradição com a mensagem fundadora contida nos Evangelhos. Neste mês de Março assistimos à escolha de um novo Papa, pessoa que, segundo a tradição, deveria actuar como "o servo dos servos de Deus". Escolhido apenas por cardeais de entre um grupo de 118 pares, este conjunto de senhores idosos (alguns ainda mais idosos do que eu) ultrapassa, inexplicavelmente, o estatuto e a função dos bispos espalhados pelo mundo, já sem falar da comunidade de crentes. Parecem ignorar que o mundo lá fora está em movimento e é constituído por mulheres, homens e crianças, nas suas infinitas variedades, mas revestidos da igual dignidade conferida pelo Criador. Alegremo-nos, contudo, porque, em todas as religiões, as mulheres, em grande número, estão a questionar as interpretações das autoridades masculinas. A resistência é forte mas o poder da ética é imenso.
Ana Vicente
Público 07.03.2013
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