Dom *José Maria Pires*, arcebispo emérito da Paraíba, Dom *Tomás
Balduino*, bispo emérito de Goiás e Dom *Pedro Casaldáliga*, bispo emérito de
São Félix do Araguaia, escrevem uma Carta aos Bispos do Brasil.
*Eis a carta.*
*CARTA AOS BISPOS DO BRASIL*
Queridos irmãos no episcopado,
Somos três bispos eméritos que, de acordo com o ensinamento do
*Concílio Vaticano II*, apesar de não sermos mais pastores de uma Igreja local,
somos sempre participantes do Colégio episcopal, e junto com o Papa, nos
sentimos responsáveis pela comunhão universal da Igreja Católica. http://www.ihuonline.unisinos.br/media/pdf/IHUOnlineEdicao401.pdf
Alegrou-nos muito a eleição do Papa *Francisco* no pastoreio da
Igreja, pelas suas mensagens de renovação e conversão, com seus seguidos apelos
a uma maior simplicidade evangélica e maior zelo de amor pastoral por toda a
Igreja. Tocou-nos também a sua recente visita ao Brasil, particularmente suas
palavras aos jovens e aos bispos. Isso até nos trouxe a memória do histórico
*Pacto das Catacumbas*http://www.ihu.unisinos.br/noticias/515573-o-pacto-das-catacumbas-para-uma-igreja-serva-e-pobre.
Por pensar nessa nossa responsabilidade como bispos da Igreja
Católica, nos permitimos esse gesto de confiança de lhes escrever essas
reflexões, com um pedido fraterno para que desenvolvamos um maior diálogo a
respeito.
*1. A Teologia do Vaticano II sobre o ministério episcopal*
Isso é vivido na comunhão com seu pastor, o bispo.
Essa teologia situa o bispo não acima ou fora de sua Igreja, mas como
cristão inserido no rebanho e com um ministério de serviço a seus irmãos. É a
partir dessa inserção que cada bispo, local ou emérito, assim como os
auxiliares e os que trabalham em funções pastorais sem dioceses, todos,
enquanto portadores do dom recebido de Deus na ordenação são membros do Colégio
Episcopal e responsáveis pela catolicidade da Igreja.
*2. A sinodalidade necessária no século XXI*
O *Concílio Vaticano II* orientou a Igreja para a compreensão do
episcopado como um ministério colegial. Essa inovação encontrou, durante o
Concílio, a oposição de uma minoria inconformada. O assunto, na verdade, não
foi suficientemente amarrado. Além disso, o *Código de Direito Canônico*, de 1983
e os documentos emanados pelo Vaticano, a partir de então, não priorizaram a
colegialidade, mas restringiram a sua compreensão e criaram barreiras ao seu
exercício. Isso foi em prol da centralização e crescente poder da Cúria romana,
em detrimento das Conferências nacionais e continentais e do próprio Sínodo dos
bispos, este de caráter apenas consultivo e não deliberativo, sendo que tais
organismos detêm, junto com o Bispo de Roma, o supremo e pleno poder em relação
à Igreja inteira.
Agora, o Papa *Francisco* parece desejar restituir às estruturas da
Igreja Católica e a cada uma de nossas dioceses uma organização mais sinodal e
de comunhão colegiada. Nessa orientação, ele constituiu uma comissão de
cardeais de todos os continentes para estudar uma possível reforma da Cúria
Romana. Entretanto, para dar passos concretos e eficientes nesse caminho e que já está
acontecendo ele precisa da
nossa participação ativa e
consciente. Devemos fazer isso como forma de compreender a própria função de
bispos, não como meros conselheiros e auxiliares do papa, que o ajudam à medida
que ele pede ou deseja e sim como pastores, encarregados com o papa de zelar
pela comunhão universal e o cuidado de todas as Igrejas.
*3. O cinquentenário do Concílio*
A ocasião, pois, é de assumir o *Concílio Vaticano II* atualizado,
superar de uma vez por todas a tentação de Cristandade, viver dentro de uma
Igreja plural e pobre, de opção pelos pobres, uma eclesiologia de participação,
de libertação, de diaconia, de profecia, de martírio... Uma Igreja
explicitamente ecumênica, de fé e política, de integração da Nossa América,
reivindicando os plenos direitos da mulher, superando a respeito os fechamentos
advindos de uma eclesiologia equivocada.
Concluído o Concílio, alguns bispos sendo muitos do Brasil celebraram o* Pacto das Catacumbas de Santa Domitila*. Eles
foram seguidos por aproximadamente 500 bispos nesse compromisso de radical e
profunda conversão pessoal. Foi assim que se inaugurou a recepção corajosa e
profética do Concílio.
Hoje, várias pessoas, em diversas partes do mundo, estão pensando num
novo *Pacto das Catacumbas*. Por isso, desejando contribuir com a reflexão
eclesial de vocês, enviamos anexo o texto original do Primeiro Pacto.
O clericalismo denunciado pelo Papa Francisco está sequestrando a
centralidade do Povo de Deus na compreensão de uma Igreja, cujos membros, pelo
batismo, são alçados à dignidade de sacerdotes,
profetas e reis. O mesmo
clericalismo vem excluindo o protagonismo eclesial dos leigos e leigas, fazendo
o sacramento da ordem se sobrepor ao sacramento do batismo e à radical
igualdade em Cristo de todos os batizados e batizadas.
Além disso, em um contexto de mundo no qual a maioria dos católicos
está nos países do sul (América Latina e África), se torna importante dar à
Igreja outros rostos além do costumeiro expresso na cultura ocidental. Nos
nossos países, é preciso ter a liberdade de desocidentalizar a linguagem da fé
e da liturgia latina, não para criarmos uma Igreja diferente, mas para
enriquecermos a catolicidade eclesial.
Finalmente, está em jogo o nosso diálogo com o mundo. Está em questão
qual a imagem de Deus que damos ao mundo e o testemunhamos pelo nosso modo de
ser, pela linguagem de nossas celebrações e pela forma que toma nossa pastoral.
Esse ponto é o que deve mais nos preocupar e exigir nossa atenção. Na Bíblia,
para o Povo de Israel, voltar
ao primeiro amor,
significava retomar a mística
e a espiritualidade do Êxodo.
Para as nossas Igrejas da América Latina, voltar ao primeiro amor
é retomar a mística do Reino de Deus na caminhada junto com os pobres e a
serviço de sua libertação. Em nossas dioceses, as pastorais sociais não podem
ser meros apêndices da organização eclesial ou expressões menores do nosso
cuidado pastoral. Ao contrário, é o que nos constitui como Igreja, assembleia
reunida pelo Espírito para testemunhar que o Reino está vindo e que de fato
oramos e desejamos: venha o teu Reino!
Esta hora é, sem dúvida, sobretudo para nós bispos, com urgência, a
hora da ação. O Papa Francisco ao dirigir-se aos jovens na Jornada Mundial e ao
dar-lhes apoio nas suas mobilizações, assim se expressou: Quero que a Igreja saia às ruas. Isso faz eco à
entusiástica palavra do apóstolo Paulo aos Romanos: É hora de despertar, é hora e de vestir as armas da luz (13,11). Seja essa a nossa mística e nosso mais profundo amor.
Abraços, com fraterna amizade.
Dom *José Maria Pires*, arcebispo emérito da
Paraíba.
Dom *Tomás Balduino*, bispo emérito de Goiás.
Dom *Pedro Casaldáliga*, bispo emérito de São
Félix do Araguaia.
Quinta-feira, 15 de agosto
de 2013
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