Todos somos animais políticos e, consequentemente, responsáveis pela
condução da pólis. Estou de acordo com o Papa Francisco, com a observação de
que, embora ele se refira só aos cristãos, o aviso é para todos: "Envolver-se
na política é uma obrigação para o cristão. Enquanto cristãos não podemos lavar
as mãos como Pilatos. Temos de nos meter na política, porque a política é uma
das formas mais altas da caridade, pois procura o bem comum. Os leigos cristãos
devem trabalhar na política. A política está muito suja, mas eu pergunto:
"Está suja porquê?" Porque os cristãos não se meteram nela com
espírito evangélico? É uma pergunta que eu faço. É fácil dizer que a culpa é
dos outros... Mas eu o que é que faço? Isto é um dever! Trabalhar para o bem
comum é um dever para um cristão."
Tenho escrito aqui permanentemente que considero a actividade política
- também no sentido mais estrito da governação - uma actividade nobre, das mais
nobres. Quando isso acontece no quadro do trabalho para o bem comum, antepondo
o interesse comum aos interesses próprios e dos partidos.
Mas, quando observo a corrida vertiginosa e tão interessada de tantos
a candidatos para cargos políticos em disputa, tenho de confessar,
sinceramente, que não acredito que a maior parte o faça generosamente, por amor
à causa pública, ao serviço do bem comum. Que interesses, que vantagens, que
compadrios, que cumplicidades, que privilégios, que benesses, que vaidades os
movem?
O que é facto é que uma enorme maioria dos portugueses está desiludida
com os políticos. Presidência da República, Assembleia da República, Governo,
Oposição, Partidos, Tribunais encontram a tristeza e a desconfiança dos
portugueses. Há a percepção vaga de que Governo e Oposição ocultam sempre
qualquer coisa.
Tudo isto vem de muito longe. Desde há muito tempo que o privilégio e
a irresponsabilidade se apoderaram do comando. Os mais atentos e reflexivos
perguntam a si próprios como se chegou até aqui, à situação de desamparo e de
confusão generalizada. É evidente que o País deu um salto positivo imenso - é
ignorância ou desonestidade pura querer comparar a situação actual com o tempo
de Salazar -, mas a incompetência e a irresponsabilidade de quem tinha mais
obrigações na liderança foram-nos pondo no caminho de um futuro dramaticamente
imprevisível e sem alternativas.
Sobre responsabilidade, permita-se-me, a título de exemplo, que volte
aos considerandos do Tribunal da Relação do Porto sobre o trabalhador
alcoolizado. Pode ler-se no acórdão: "Não há nenhuma exigência especial
que faça com que o trabalho não possa ser realizado com o trabalhador a pensar
no que quiser, com ar mais satisfeito ou carrancudo, mais lúcido ou, pelo
contrário, um pouco tonto." E continuam os magistrados: "Note-se que,
com álcool, o trabalhador pode esquecer as agruras da vida e empenhar-se muito
mais a lançar frigoríficos sobre camiões" (note-se que se tratava de um
empregado da recolha do lixo), "e por isso, na alegria da imensa
diversidade da vida, o público servido até pode achar que aquele trabalhador
alegre é muito produtivo e um excelente e rápido removedor de
electrodomésticos". Pense-se: os professores, os médicos, os ministros, os
bispos, os juízes... também terão as suas agruras da vida e julgo que, nas
instituições em que trabalham, não existirá nenhuma norma a proibir o consumo
de álcool; portanto... Os considerandos são de uma insensatez inqualificável.
Reforme-se o Estado e a política, a começar por cima. Corte-se nos
privilégios de tantos, incluindo juízes e ex-presidentes da República,
reduza-se o excesso de mordomias, fundações, empresas municipais..., siga-se
"a navalha de Ockam": "Não multiplicar os entes sem
necessidade."
E haveria um teste poderoso, que eu sei que é perigoso e não
aplicável. Mesmo assim, de vez em quando, surge a tentação. Nas eleições, os
votos em branco traduzir-se-iam, segundo a lei da proporção, em cadeiras vazias
no Parlamento. Seria o "partido da cadeira vazia". Poupava-se
dinheiro e retórica de sofistas, inútil e manhosa.
Padre Anselmo Borges
10-08-2013
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