Para o Papa Francisco, a Igreja não é uma empresa, uma multinacional ou uma
ONG. Ela é "a família de Deus", do Deus que é amor, misericórdia e que perdoa
sempre, se houver arrependimento. Deus está a caminho, "quando o procuramos e
deixamos que ele nos procure. A experiência religiosa primordial é a do caminho.
A vida cristã é uma espécie de atletismo, de conflito, de corrida, em que temos
de nos desfazer das coisas que nos afastam de Deus".
No caminho, há perigos e tentações. Francisco acredita na existência do Diabo
(como símbolo do mal ou uma entidade pessoal?): "O Demónio é, teologicamente, um
ser que optou por não aceitar o plano de Deus. A obra-prima do Senhor é o homem;
alguns anjos não o aceitaram e rebelaram-se. O Demónio é um deles. No Livro de
Job é o tentador, que nos leva à suficiência, à soberba. Jesus define-o como o
pai da mentira. Os seus frutos são sempre a destruição, a divisão, o ódio, a
calúnia. E, na minha experiência pessoal, sinto-o de cada vez que sou tentado a
fazer algo que não é aquilo que Deus me pede. Acredito que o Demónio existe.
Talvez o seu maior sucesso nestes tempos tenha sido fazer-nos acreditar que não
existe." De qualquer modo, "uma coisa é o Demónio e outra é demonizar as coisas
ou as pessoas. O homem é tentado, mas não é por esse motivo que deveremos
demonizá-lo". Mas o ser humano é um ser caído, o que "se explica a partir da
queda da natureza depois do pecado original". Portanto, "as pessoas podem fazer
algo de mau devido à sua própria natureza, ao seu "instinto", que se potencia
devido a uma tentação exógena."
O fundamentalismo não é o que Deus quer, e ele não consiste apenas em matar
em nome de Deus, o que é "uma blasfémia". "Por exemplo, quando eu era pequeno,
na minha família havia uma certa tradição puritana; não éramos fundamentalistas,
mas estávamos nessa linha. Se alguém do nosso círculo próximo se divorciava ou
se separava, não entrávamos na sua casa; e também acreditávamos que os
protestantes iam todos para o inferno, mas lembro-me de uma vez em que estava
com a minha avó, uma grande mulher, e passaram precisamente duas mulheres do
Exército de Salvação. Eu, que tinha uns cinco ou seis anos, perguntei-lhe se
eram monjas. Ela respondeu-me: "Não, são protestantes, mas são boas." Esta foi a
sabedoria da verdadeira religião."
Não se admite um clero de burocratas e carreiristas. Por exemplo, é "uma
hipocrisia" negar o baptismo a crianças de pais não casados. E há o ecumenismo e
o diálogo inter-religioso práticos: o das pessoas "que não partilham a minha fé,
mas que partilham o amor pelo irmão". A verdadeira liderança religiosa é
conferida pelo serviço. "Para mim, esta ideia é válida para a pessoa religiosa
de qualquer confissão. Assim que deixa de servir, o religioso transforma-se num
mero gestor, no agente de uma ONG. O líder religioso partilha, sofre, serve os
seus irmãos." Foi esta dinâmica que o levou, já Papa, num gesto surpreendente, a
Lampedusa, com esta mensagem: "A globalização da indiferença tirou-nos a
capacidade de chorar. Peçamos ao Senhor a graça de chorar sobre a nossa
indiferença, sobre a crueldade que há no mundo, em nós, também naqueles que no
anonimato tomam decisões socioeconómicas que abrem o caminho a dramas como
este."
Para a pedofilia, tolerância zero. "O problema não está associado ao
celibato. Se um padre for pedófilo, é-o antes de ser padre. Ora, quando isso
acontece, nunca se poderá tolerar. Não se pode assumir uma posição de poder e
destruir a vida de outra pessoa. Na diocese, nunca me aconteceu, mas, uma vez,
um bispo telefonou-me para me perguntar o que se deveria fazer numa situação
semelhante, e eu disse-lhe que lhe retirasse a autorização, que não lhe
permitisse exercer mais o sacerdócio e que desse início a um julgamento canónico
no tribunal."
A humildade é garantia de que o Senhor está presente. "Quando alguém tem
todas as respostas para todas as perguntas, é uma prova de que Deus não está com
ele." A Igreja tem uma herança a preservar e que não pode negociar, mas é
preciso, com tempo, "dar respostas com a herança recebida às novas questões de
hoje."
Padre Anselmo Borgesin DN
24-08-2013
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