Chama-se Ana. Lembrei-me
dela quando, no dia 2, ouvi na igreja falar da velha Ana e do velho Simeão. Uma
pregação distante da realidade desta outra Ana mas, ainda assim, com possibilidades
de alguma aproximação. Diz-se que a velha Ana tinha 84 anos, um número mágico
formado por sete vezes doze. O número doze significaria o povo judeu e o número
sete a universalidade. Como é evidente a Ana da praça não tem uma projeção tão
importante, mas para um grande número de pessoas também representa muita esperança.
Uma esperança em coisas talvez triviais mas sem as quais não há currículo que
valha à vida. Por casualidade soube que esta Ana tem neste momento quarenta e
nove anos, número que, fazendo as contas, é formado por sete vezes sete. É
coisa engraçada a engenhoca dos números. Mas porque é que há esperança na praça
e de graça? Porque a Ana vende na praça e porque, mais dia, menos dia, acaba
por arranjar tudo aquilo que as pessoas desejam. Nunca deixa ninguém desalentado.
Diz sempre: oh querida, hoje não tenho mas vem amanhã; oh filho, isso agora é
difícil encontrar, mas vem cá para a semana; oh amor, hoje é quinta, não é? No
sábado já podes levar. E diz estas coisas com uma voz tão carinhosa que
impressiona. Às vezes apetece-me pedir qualquer coisa que ela não tenha só para
ouvir as suas palavras doces e sentir a esperança da promessa que ela faz. Mas
não o faço, apenas sorrio com satisfação. Em que é que esta Ana é parecida com
a outra, a dois mil anos de distância? Se calhar em nada, ou então em tudo. As
duas, como diz o nome, são cheias de graça ou queridas de Deus. E em ambas se
destaca uma relação humana acima do que é comum, uma esperança que é animada e uma
promessa que é cumprida. Bem sei que o negócio não é amigo do milagre, talvez
até lhe seja hostil. Por isso, quando alguém, mesmo dentro do negócio, dá uma
oportunidade ao milagre fico admirado. A primeira Ana apresentou o que é
considerado o melhor caminho alternativo às injustiças, ao egoísmo, à
inimizade, à religião como lugar de condenação. Esta Ana promove um relacionamento
amável, um encontro de interesses, a esperança de se alcançar o que se
pretende, uma religião que assenta na ligação entre as pessoas. É verdade que não
se pode viver sem euros, dólares e todas as outras moedas, mas qual é o seu valor?
Há quem as veja como pequenos deuses caseiros, coitados, a quem adoram sem
reservas. Mas para que servem esses deuses? Na verdade só terão grandeza se,
nas várias dimensões da vida, nos tornarem grandes em humanidade. Esta Ana,
como qualquer outra pessoa, trabalha para ganhar a vida. Mas ela vai mais
longe, procura satisfazer os desejos e aspirações de quem a procura e nela
confia. Por isso, na praça, ela é uma esperança. E de graça. Alguém dirá que
ela é sobretudo uma grande vedeta. Talvez, mas o resultado é benéfico para
todos e aquilo que não tem preço é provavelmente o melhor. Prosaico?
Importante? Sei lá, cada um é que sabe da sua salvação, da sua verdadeira felicidade.
É por aí que anda o milagre mesmo por entre negócios.
Frei Matias, O.P.
20.02.2014