Numa aldeia onde fui
comprar vinho, participei numa conversa sobre uma história a que uma senhora
chamava “a fada e os sete adões”. Em pouco tempo fui introduzido no diálogo e,
armado em sabichão, disse: olhe, essa história não será “A Branca de Neve e os
sete anões”? Não, é a fada e os sete adões. Ah! – mas conhece esta de que estou
a falar? Sim, já ouvi falar dela, mas isso é uma história mais das terras
grandes. Ah, talvez! Um pouco depois, já ajustado à surpresa, disse que realmente
estava bem vista a coisa dos sete adões. A Eva era uma fada com tanta arte que,
se levou um adão a engolir a dentada de uma maçã, era bem capaz de o fazer a
sete. O que vale é que no Paraíso só havia uma maçã, diz a senhora. Respondi-lhe
que era capaz de haver mais. Mesmo que só houvesse uma macieira devia ter muitas
maçãs. Ah pois é! – exclamou, mas como a gente só ouvia falar na maçã do Adão
nunca pensei que houvesse mais. E acrescentou: ai, então sendo assim é verdade,
a Eva tinha bem coragem para fazer engolir o caroço a sete adões. Com mais uma
folga na conversa, pensei para comigo: nem falemos nessa outra Eva a quem
chamam Lilit, considerada a primeira mulher de Adão. Essa admirável estouvada
era capaz de fazer os adões engolir a maçã inteira e não só uma dentada. E a
conversa continuou mais um pouco neste tom prosaicamente popular. Mais tarde
pensei comigo mesmo: deixa-me lá ir ver a história da maçã! Fui e diz assim: “E viu a mulher que aquela árvore era boa
para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento;
tomou do seu fruto e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela.
Então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; e coseram
folhas de figueira, e fizeram para si aventais” (Génesis 3:6-7). Afinal
parece que não há maçã. Mas se essa árvore é uma figueira, como se insinua,
devo dizer que o fruto é realmente bom, os aventais feitos de folhas é que não
aconselho a ninguém. Os figos não têm caroço e nem sequer é um fruto em que
seja fácil dar uma dentada e oferecer o resto ao vizinho. É um fruto que se
presta a comer não só um mas muitos e sabem melhor em companhia. Os figos,
contrariamente às folhas, são um pouco voluptuosos, sensuais e bons para serem
comidos frescos mas também secos. Parece que os figos mais do que as maçãs são
uma fruta adequada para activar esse eterno desejo de querer ser como Deus, mas
o problema não está nos figos. É provável que tenha sido a Eva, isso só a
prestigia, a fazer a proposta ao Adão, mas o Adão parece não ter resistido muito.
Se calhar o que não queria era apanhar os figos, ou então achava que isso era
trabalho de mulher. Mas, sob capa de anjinho do paraíso, dá ares de quem estava
mesmo à espera de ser tentado. Regressando ao início da história, como seria se
fossem sete adões? E como será se o sete significa que se trata de uma história
recorrente na relação entre todos os homens e mulheres e destes com o desejo
incontido de um poder absoluto, de tudo dominarem? Nem sei que diga, mas
parece-me que na relação com os figos tanto Evas como Adões devem pôr-se a pau.
Se por acaso caírem na irresistível tentação de seguirem os apelos deste fruto,
preparem-se para o desagradável que é usar um avental de folhas de figueira. Nessa
situação só mesmo perderem a vergonha e ficarem nus, e depois dizerem a Deus:
Senhor, eu sei que estou nu, que poderei fazer? A partir daí talvez consigam compreender
o que é ser homem e mulher e ouvir Deus dizer-lhes: Ah estão nus! Ah têm
vergonha! Vocês devem ter vergonha é na cara. Não vos basta procurarem ser
gente? Acham que é pouco? Com que então estão nus! Na verdade pretender ser
como Deus apenas tem servido ao ser humano para fazer estragos e gerar
infelicidade. Como estes que estão a acontecer com esta coisa a que chamam
crise. A voluptuosa lua cheia que agora está a subir ali ao lado, grande e
luminosa, teria muito mais razões para ser deusa. Mas não é. Com todo o seu
esplendor continua no lugar que lhe compete, apresentando-se como um exemplo
para homens e mulheres. A grandeza do ser humano está em si mesmo, não precisa
de a procurar em territórios que não lhe pertencem. É como diz F. Pessoa: “Para
ser grande sê inteiro… Assim em cada lago a lua toda brilha porque alta vive”.
Frei Matias, O.P.
20.10.2013
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