Dentro da actualidade religiosa católica, o tema do
momento é o questionário do papa Francisco, enviado a 18 de Outubro a todas as
Conferências Episcopais (CEs) e integrado num documento intitulado “Desafios
pastorais da família no contexto da evangelização”. Através de 38 questões
frontais, Francisco quer conhecer bem a realidade familiar, quer se trate de
uniões entre o mesmo sexo, planeamento familiar, divorciados e recasados, etc.
Como dizia o óptimo Editorial da newsletter católica La Vie de 5 deste mês, a
novidade desta consulta não é que Roma queira ouvir os bispos, é que queira
ouvir os próprios católicos. E permite-se até “brincar”, a propósito de uma das
questões acerca da “lei natural”. No fundo, escreve, o que Francisco quer saber
é se as católicas tomam a pílula ou se actuam de acordo com os ensinamentos da
polémica Humanae vitae. E acrescenta: “É certo que não é propriamente isto que
se diz. Mas quase”.
Questão de
extrema importância é a metodologia que as CEs vão usar para ouvir os fiéis. A
nossa Assembleia Plenária dos Bispos vai reunir apenas para a semana. Penso que
a questão da metodologia será abordada de modo muito lateral. Em conversa com o
secretário de um bispo português, fiquei aterrada. Para ele, a consulta não tem
nada de mais e já tem sido feita noutras questões: manda-se o documento para
movimentos católicos e para os párocos, estes consultam os conselhos pastorais
(8 pessoas? 12?), devolvem ao bispo as respostas e... acabou-se. Protestei:
“Mas, desse modo, as intenções do inquérito são sabotadas! Quer-me dizer que eu
não poderei expressar a minha voz?”. Embora me parecesse incomodado com o facto
de lhe falar em exclusões, o secretário continuou a raciocinar segundo a sua
formatação de base: “Os conselhos pastorais já são representativos das outras
pessoas da paróquia, logo, você já está representada, por delegação”. Sentindo
o meu descontentamento, lá atirou as últimas responsabilidades para a CE.
Saliente-se que a CE de Inglaterra e País de Gales deu
tal importância ao inquérito que, desde 31 de Outubro, disponibilizou uma
óptima plataforma online onde pode ser respondido. Mais: a intenção é enviar
para as respectivas CEs as respostas que recebam de outros países (e já têm
respostas provindas de Portugal). O Reino Unido teve um cisma entre cristãos.
Talvez por isso a parte católica sinta aí mais a necessidade da transparência e
de ouvir os seus fiéis.
Que eu saiba, o exemplo anglo-saxónico ainda não foi
seguido por outras CEs. Mas, no passado dia 5, o importante portal espanhol de
informação religiosa, Religión Digital, colocou também o inquérito online,
comprometendo-se a enviar as respostas para as devidas entidades religiosas. É
“a forma segura e eficaz” de responder, dizem. Obviamente, temem a sabotagem.
Os textos do seu Director, José Manuel Vidal, fazem transparecer cada vez mais
esta preocupação. Ainda do lado espanhol, saliento as respostas frontais, por
vezes ternas, de José Arregi, ex-franciscano, ao “Querido papa Francisco” (cf.
o seu blog), ou as de Jesús Bastante, chefe de redacção de Religión Digital.
Na carta que acompanhou o envio do Documento, pedia-se
uma distribuição imediata e “o mais ampla possível”, mas esta última expressão
é objecto de polémica. Para os bispos mais conservadores, basta consultar os
“habituais” e passar adiante. Mas pode-se aceitar que seja essa a vontade de
Francisco, que nos tem surpreendido por ir ter com as “periferias”, tenham elas
o nome de Lampedusa ou de uma qualquer grávida solteira desesperada?
Este não é um inquérito qualquer. Se passar à margem
dos católicos individuais, penso que desse modo se atraiçoarão as próprias
intenções de Francisco, assim como as de tantos católicos que, através dele,
sentem mais próxima de si a ternura de Cristo. Como afirma Thomas Reese no
National Catholic Reporter do passado dia 7, Francisco já perguntou, noutro
contexto: “Será que os conselhos diocesanos e paroquiais possibilitam
verdadeiras oportunidades para que os leigos participem no aconselhamento,
organização e planeamento pastorais?”.
Entretanto, para o caso de a nossa CE não querer ouvir
de facto a voz de cada um dos seus católicos – ainda por cima, nem sequer
tenho, como muitos, paróquia que assuma como minha -, posso desde já informar
que, correspondendo a um pedido da minha parte, o Director de Religión Digital
disponibiliza a plataforma online acima referida a todos os portugueses que a
queiram usar (pode-se escrever em português). “Será un placer”, disse-me, para
que “vaya creciendo el tsunami de participación del pueblo de Dios en las
decisiones de la Iglesia”.
Laura Ferreira dos Santos
Docente aposentada da Universidade do Minho (laura.laura@mail.telepac.pt)
in Público 10.11.2013NOTA: Religión Digital http://www.periodistadigital.com/religion/
Para responder ao inquérito:
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