Segundo o
Pew Research Center (PRC), o centro de sondagens mais respeitado, em assuntos
religiosos, em cada dez pessoas, oito são religiosas. Mais de 80% da população
mundial faz parte de uma religião organizada. A religião mais numerosa continua
a ser o cristianismo. Conta com 32% da população mundial. Segue-se o islão com
23% e o hinduísmo com 15%. Enquanto o cristianismo e o islão estão em vários
pontos do mundo, o hinduísmo concentra-se quase exclusivamente na Índia. Metade
de todos os cristãos é católica romana, 37% são protestantes e 12% ortodoxos.
Estas
realidades estão sempre em recomposição, mas indicam que as religiões não estão
para acabar tão cedo. Têm-se revelado até mais resistentes do que as repetidas
desqualificações críticas a que têm sido submetidas. Muitas vezes com razão. De
reveladoras do sentido da vida, de fontes de renovação da esperança, de
resistentes ao niilismo, abrindo horizontes ilimitados tornaram-se, por
manipulações várias, instrumentos do medo. Deixaram-se envolver em absurdas
guerras e torturas, dando campo livre ao fanatismo em nome de Deus.
De
religião para religião, as formas de expressão simbólica e ritual, as normas
que as regem, as exigências éticas a que obedecem são muito diversas. As
interrogações, as perplexidades e as dúvidas suscitadas pelo mistério de
existir nem sempre desaguam nas respostas que as diferentes religiões
codificaram. O Espírito de Deus sopra onde, quando e como quer. De qualquer
modo, as formas religiosas e as suas instituições são para o ser humano e não o
contrário. O teste de autenticidade das celebrações litúrgicas, das vivências
espirituais e das experiências místicas, dentro e fora das instituições,
prova-se na relação com os excluídos.
2. Os números, no campo religioso, só
por si, não revelam – podem até ocultar – a saúde espiritual ou as crises que o
atravessam. No mundo católico, há muitas vozes a reclamar mudanças e também se
nota que algumas temem que o Papa Francisco comece a duvidar da infabilidade do
seu magistério. Ninguém espera que, ao procurar saber como vivem e pensam os
membros da Igreja, seja para fazer o rol dos erros a combater, uma espécie de
reedição actualizada do Syllabus de
Pio IX (1864). É mais provável que ele acredite que o sentido da
responsabilidade pela vida cristã não seja um monopólio de bispos e padres e
queira conhecer a sensibilidade actual dos católicos.
O melhor lugar para fazer a leitura dos sinais
dos tempos não é, necessariamente, o Vaticano. Há muitos mundos no mundo,
muitas comunidades cristãs e muitas sensibilidades católicas. Não há nenhum
boletim meteorológico especializado em indicar a temperatura da fé, nas
diferentes regiões da terra. Nada como escutar as experiências das pessoas, das
famílias, dos grupos, das comunidades espalhadas pelo mundo. Não basta.
3. Está convocada, para Outubro de
2014, a III Assembleia geral extraordinária do Sínodo dos Bispos destinada a
enfrentar os desafios da família, no nosso tempo. Será que os bispos e o Papa
já não acreditam na doutrina que elaboraram, tão segura e clara, a partir da
indissolubilidade do matrimónio? Será que pretendem informar-se da sorte desta
doutrina, na sociedade e na Igreja?
Se
fosse apenas uma questão de informação, nada como encomendar um inquérito a um
instituto internacional especializado, com garantias científicas. Se fosse para
dar a conhecer a Doutrina católica, não era preciso tanta pergunta. O que se
pretende afinal?
Era
costume dizer que onde está o bispo, está a Igreja. Com os Bispos reunidos em
Sínodo com o Papa, não é preciso interrogar a Igreja!
Ou
muito me engano, ou este processo é o começo de uma revolução. Não se pede aos
católicos que estejam com os Bispos e o Papa. O que se procura é que os Bispos
e o Papa estejam com a Igreja. Com a parábola do Bom Pastor não se pretende que
as ovelhas estejam com o pastor, mas que este esteja com o rebanho. É por isso
que não se trata aqui apenas de um inquérito de opinião. É, sobretudo, a
oportunidade de que a leitura dos sinais
dos tempos referentes à situação actual da família seja feita pelo conjunto da Igreja. O processo desencadeado faz
supor que o Papa e os Bispos nada querem fazer sem as comunidades cristãs. A
não ser assim, estariam a enganar o laicado e a desobedecer ao grande
princípio: aquilo que a todos diz respeito deve ser tratado por todos.
Não
julgo que este processo possa dar azo a cisões na comunidade católica. Se todos
puderem falar e ouvir chegar-se-á à conclusão de que a Igreja sempre foi
construída por várias tendências. A arte dos pastores consiste em encontrar os
meios, os caminhos de diálogo para estimular a comunhão na diferença.
Muito
cedo na Igreja foi preciso reunir um concílio, para ser possível extrair do
conflito novos horizontes e novas práticas, no seio da mesma Igreja (Act 15).
Vai sendo tempo de pensar no Vaticano III. Que este Sínodo sobre a problemática
actual da família seja um bom ensaio.
in Público 17.11.2013
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