27 outubro 2013

Não fechar o futuro

   
1. Repetia-me, há dias, um amigo, um anticlerical de velha tradição: se for verdade que um jesuíta, conservador e autoritário, se converteu em irmão de Francisco de Assis e que os cardeais fizeram dele o Papa da Igreja Católica Romana, não posso continuar a dizer que não há milagres…

         Muitos católicos, humilhados pelas narrativas de escândalos ocultados durante muitos anos, voltaram a socorrer-se de um velho adágio: Deus escreve direito por linhas tortas. Alguns dos que, entretanto, tinham ido dar uma volta por outras paragens religiosas ou agnósticas, estão de regresso. Não faltam os que estão na expectativa. Aqueles que sempre defenderam as opções da hierarquia, mesmo nas situações mais absurdas, organizam-se, agora, para impedir os estragos que este papa, sem devoção pelo Vaticano e demasiado inconveniente nas pinturas que faz do carreirismo eclesiástico, está a causar ao mundo católico. Este movimento até já tem a sua oração: “Senhor, antes que seja tarde, ilumina-o ou elimina-o”.

Persiste, todavia, nessas reações contrastadas, o grande equívoco que João XXIII quis desfazer, ao convocar o Vaticano II: a tendência inveterada de identificar a Igreja com a hierarquia. Fala-se muito, e com razão, na urgência de reformar a Cúria, mas debatem-se pouco as funções que deve desempenhar, a composição que deve ter, a duração dos mandatos, assim como as modalidades de prestar contas à Igreja, de forma periódica.

Jorge Bergoglio estava consciente de que teria de conduzir esse processo com prudência, a virtude cardeal das decisões corajosas, ponderadas e sábias, a não confundir com o medo de tocar na máquina dos interesses instalados, dispostos a boicotar qualquer tentativa de reforma eficaz. Um reformador não é um tonto com iniciativa.

O papa resolveu começar imediatamente a reforma pela cúpula, para que a Igreja não continue a meter tanta água. Tinha de ser ele a romper com o estilo palaciano e retomar, na prática, a sentença de Santo Agostinho: “para vós sou bispo, convosco sou cristão”.

Se não mostrasse, em concreto, o seu modo de ser cristão, bispo e papa, não tinha autoridade para fazer exigências radicais à Cúria, cujos “eminentíssimos cardeais precisam de uma eminentíssima reforma”, para usar a expressiva linguagem de D. Frei Bartolomeu dos Mártires no Concílio de Trento. Isso explica as suas prioridades: celebrou a 5ª Feira Santa numa prisão de jovens, foi à ilha-cemitério de Lampedusa, às favelas do Rio de Janeiro e aos pobres da Sardenha. Estabeleceu o centro na periferia. Mostra assim que só pode viver a sua missão apostólica na defesa dos excluídos por um sistema mundial, que tem como fruto a globalização da indiferença, a nossa vergonha!

2. Se, com essas iniciativas, estivéssemos perante um fenómeno de populismo e idolatria papal, não seria o próprio Bergoglio a dizer: já basta de Francisco, Francisco, Francisco!

O que o papa procura é centrar as suas preocupações na reconstrução de uma Igreja que seja um nós aberto ao mundo. Herdou, porém, uma questão gritante que papas anteriores, com argumentos duvidosos, afirmaram estar definitivamente encerrada. A pergunta sempre adiada é clara: qual o papel das mulheres numa Igreja, onde são a maioria? O sinal inequívoco de que entrámos num tempo novo será dado pela resposta que se encontrar, com as mulheres, para esta questão. Enquanto os homens não perceberem que elas próprias têm uma contribuição insubstituível a dar para a inteligência do sentido da fé, das suas expressões sacramentais e organizativas, continuaremos, na prática, com o comportamento que Jesus violou: sem contar mulheres e crianças.

A este propósito, convém conhecer um texto que procurou fechar um debate que estava aberto, a Carta Apostólica de João Paulo II, Ordinatio Sacerdotalis (22.05.1994).

Reza assim: “ainda que a doutrina sobre a ordenação sacerdotal, reservada exclusivamente aos homens, tenha sido conservada pela Tradição constante e universal da Igreja e seja firmemente ensinada pelo Magistério nos documentos mais recentes, hoje em dia, é considerada por várias tendências, aberta ao debate. Chega-se mesmo a atribuir um valor puramente disciplinar à posição tomada pela Igreja, de não admitir as mulheres à ordenação sacerdotal”.

João Paulo II não quis deixar o debate aberto: “É por isso, para que não subsista nenhuma dúvida sobre uma questão de grande importância, que diz respeito à constituição divina da própria Igreja, declaro, em virtude da minha missão de confirmar os meus irmãos (cf. Lc 22, 32), que a Igreja não tem, de maneira nenhuma, o poder de conferir a ordenação sacerdotal a mulheres e que esta posição deve ser definitivamente sustentada por todos os fiéis da Igreja” (cf. DC, 19.06.1994).

3. João Paulo II perdeu uma bela ocasião para convocar um concílio, cuidadosamente preparado com as mulheres e no qual elas tivessem uma presença significativa. Ao ter feito a opção que fez, perdeu a oportunidade de rever palavras, gestos, conceitos e interpretações acerca dos ministérios ordenados, que não significaram a mesma coisa ao longo de dois mil anos. Nenhum papa tem poder para encerrar a Igreja e o Mundo de forma definitiva.

Frei Bento Domingues, O.P.

27.10.2013
in Público

26 outubro 2013

O que é que o Papa Francisco já trouxe à Igreja Portuguesa?

     Resposta de Ana Vicente a uma pergunta da Rosa Pedroso Lima, para artigo do Expresso

    
Melhor clarificar o que entendemos por Igreja – para além de ser uma instituição, a Igreja, segundo os Evangelhos e o Concílio Vaticano II (e também em sintonia com o discurso do Papa Francisco) é constituída pelo conjunto das pessoas baptizadas, as quais têm uma enorme responsabilidade na busca da fidelidade à mensagem de Jesus Cristo. 

Para já, a nosso ver,  o Papa Francisco trouxe à Igreja Portuguesa, quer à instituição, quer ao conjunto do Povo de Deus, uma nova respiração, um sopro do Espírito Santo, uma recolocação das prioridades. Será que vamos ser capazes de o ouvir e de traduzir em actos os imensos desafios que ele nos apresenta? Será que nós e as autoridades eclesiásticas compreenderemos que novos tempos são chegados, em que há que derrubar tantas hierarquias, tantas exclusões, tantas condenações, tanto medo da partilha do poder e do serviço, tanta obsessão por uma moral sexual ininteligível? Passar a centrar o nosso dia a dia como cristãs e cristãos no amor ao próximo, na misericórdia, na opção de acabarmos de uma vez para sempre com a pobreza aviltante, que neste país ou no mundo em geral, tem quase sempre cara de mulher. O Papa Francisco veio interrogar as nossas consciências: é possível convivermos com sistemas económicos que sustentam essa pobreza, que fazem da produção e venda do armamento a maior indústria mundial, fomentando guerras em tantos locais ?

O entusiasmo e o acolhimento que as palavras e os gestos do Papa Francisco têm desencadeado em milhões de pessoas, crentes e não crentes, exprimem, cremos nós, que o Povo de Deus deseja ardentemente uma igreja mais fraterna, mais igualitária, mais amável, com uma nova atitude face às mulheres, uma igreja onde o sacerdócio seja repensado e reformado, uma igreja que valorize a sexualidade, elemento constitutivo do ser humano, criado por Deus, uma igreja empenhada nos direitos humanos, dentro e fora da instituição. Para já, a esperança é imensa.  
Ana Vicente – Movimento Internacional ‘Nós Somos Igreja’ – Portugal
Outubro 2013
 

24 outubro 2013

Aveiro: Integração de divorciados e recasados

      
Aveiro, 23 out 2013 (Ecclesia) - Um grupo de leigos da Diocese de Aveiro passou “à ação”, com o apoio do seu bispo, e reflete, com iniciativas públicas e abrangentes, a integração de divorciados e recasados na Igreja.
“O caminho percorrido até ao momento permite constatar que existe uma grande falta de informação, associada a ideias preconcebidas que importa desmistificar e esclarecer”, explicam, em texto publicado no Semanário digital ECCLESIA.
Esta iniciativa partiu da pergunta - “Procuramos estar próximo, ajudar e escutar os casais em crise, separados, divorciados ou divorciados recasados?” – que surgiu numa reunião de equipas de Nossa Senhora, em fevereiro de 2012, e que desafiou/motivou este grupo, da Diocese de Aveiro, a reunir-se e refletir com o apoio de D. António Francisco dos Santos, o bispo diocesano.
O grupo de reflexão alargou-se com a entrada de “um casal não pertencente ao movimento e de uma católica divorciada”.
As “recentes” declarações do Papa Francisco, sobre pastoral familiar, foram “amplamente comentadas” na página do Grupo em www.facebook.com/recasados.
Segundo o artigo, este facto indica que “há ainda uma grande caminhada a fazer para a integração destes casais na Igreja, que não se pode focalizar na impossibilidade de comunhão sacramental”.
Numa segunda fase desta iniciativa, o grupo de leigos revela que poderão passar por contactos “mais diretos e pessoais”, com casais divorciados e recasados, e pela “eventual criação de equipas” próprias como as «Equipes Réliance», com génese em França.
Para a primeira fase, com a orientação de D. António Marcelino, bispo emérito de Aveiro, que faleceu recentemente, foram programadas três reuniões públicas, que envolvessem toda a diocese, em termos territoriais e humanos, e falta realizar uma que responderá à pergunta: ‘Divorciados, recasados integrados na Igreja?’.
Estas reuniões têm “o objetivo de sensibilizar leigos e sacerdotes para a premência desta discussão”.
A primeira reunião, com o tema ‘Divorciados, recasados abandonados pela Igreja?’, “evidenciou a predisposição que existe na Igreja para discutir esta problemática” e reuniu, em Aveiro, mais de cem participantes em setembro de 2012.
A questão «Divorciados, recasados acolhidos na Igreja?» foi o mote do segundo encontro que reuniu cerca de 80 pessoas em Recardães, Águeda, em maio deste ano: “O testemunho de caminhada em Igreja de um casal nesta situação e a experiência de acolhimento de um pároco da diocese contribuíram para um diálogo muito rico e construtivo”, revela o grupo de leigos.
CB

Apelo de teólogos e teólogas ao Papa: As mulheres também devem escolher o Papa

Por iniciativa da teóloga Helen Schüngel-Straumann, teólogos e teólogas católicas da Europa e os Estados Unidos assinaram um apelo, no qual se pede ao Papa Francisco que envolva activamente as mulheres em decisões-chave. Um sinal deste envolvimento poderia ser a nomeação de mulheres para cardeais. O texto tem a seguinte redacção:
A posição do Papa Francisco em relação aos pobres e oprimidos tem agradado mas também criado expectativas. Tal como a sua declaração de que as mulheres deveriam desempenhar um papel muito mais forte na Igreja Católica e ser envolvidas nas decisões. Em todo o mundo, as mulheres vêem-se especialmente afectadas pela pobreza, privação e violência. Mais de metade dos membros da igreja são mulheres. Mas essa maioria é tratada como uma minoria. E no entanto, a igreja tem inúmeras mulheres altamente qualificadas: freiras, teólogas, mulheres em profissões responsáveis com forte compromisso com a sua igreja.
Trabalham dando apoio espiritual em sectores da pastorais e caritativos, na base, nas escolas, na política, nas associações religiosas - muitas vezes em regime voluntário. Tanto na teoria como na prática, empenham-se na palavra do Evangelho. Não são, porém, envolvidas em decisões importantes - uma situação altamente desigual e injusta na Igreja Católica. «As mulheres não querem ser objecto mas sujeito” (Catharina Halkes), e “sem mulheres não há igreja”. Igualdade e justiça são as exigências centrais dos profetas bíblicos. Continuamente se dá atenção ao triângulo “pobres, viúvas e órfãos". Também Jesus está na base desta grande tradição profética, tendo nomeado mulheres como discípulas no movimento do seu reino Deus. Tendo por base a mensagem de Jesus pela justiça fazemos a proposta de nomear um grande número de mulheres cardeais.
Nem na Bíblia, nem no dogma, nem na tradição da igreja existe qualquer argumento contra o facto que poderia impedir o Papa de implementar esta medida rapidamente. Pela lei canónica, o Papa é livre de nomear mulheres cardeais. No século XIX, foram nomeados alguns leigos para cardeais.
Como responsável pela unidade e a liderança de toda a igreja, o Papa poderia dar já os primeiros passos para que a "metade maior" dos membros da igreja participasse activamente em decisões-chave e na eleição do próximo Papa. Seria uma decisão muito inteligente e diplomática se o Papa, pondo em acção a igualdade das mulheres nos próprios círculos, mostrasse que a Igreja Católica não é tão misógina, como é frequentemente retratada.
Foi sempre recomendado às mulheres que explorassem o espaço existente. A nomeação para cardeais seria um excelente exemplo nesta área. O nosso objectivo não é mais uma clericalização da igreja, mas sim uma participação activa das mulheres em decisões-chave.
Não se trata aqui duma adaptação a um Zeitgeist duvidoso, mas sim a um pedido que oiça "sinais dos tempos" (João XXIII), que mais de 50 anos depois ainda não têm espaço suficiente na Igreja Católica. Caso os responsáveis da Igreja não consigam superar a abordagem patriarcal na teoria e na prática e não dêem às mulheres voz em lugares decisivos, a Igreja Católica irá perder cada vez mais mulheres competentes e dedicadas.
Tradução de Margarida Pereira-Müller, membro do NSI-PT, a quem muito agradecemos
Para assinar esta petição pode ir a : http://www.aufbruch.ch/3477
Petition: Frauen als Kardinäle
Appell von Theologinnen und Theologen an den Papst:
 Auch Frauen sollen den Papst wählen können

20 outubro 2013

A fada e os sete adões

    
Numa aldeia onde fui comprar vinho, participei numa conversa sobre uma história a que uma senhora chamava “a fada e os sete adões”. Em pouco tempo fui introduzido no diálogo e, armado em sabichão, disse: olhe, essa história não será “A Branca de Neve e os sete anões”? Não, é a fada e os sete adões. Ah! – mas conhece esta de que estou a falar? Sim, já ouvi falar dela, mas isso é uma história mais das terras grandes. Ah, talvez! Um pouco depois, já ajustado à surpresa, disse que realmente estava bem vista a coisa dos sete adões. A Eva era uma fada com tanta arte que, se levou um adão a engolir a dentada de uma maçã, era bem capaz de o fazer a sete. O que vale é que no Paraíso só havia uma maçã, diz a senhora. Respondi-lhe que era capaz de haver mais. Mesmo que só houvesse uma macieira devia ter muitas maçãs. Ah pois é! – exclamou, mas como a gente só ouvia falar na maçã do Adão nunca pensei que houvesse mais. E acrescentou: ai, então sendo assim é verdade, a Eva tinha bem coragem para fazer engolir o caroço a sete adões. Com mais uma folga na conversa, pensei para comigo: nem falemos nessa outra Eva a quem chamam Lilit, considerada a primeira mulher de Adão. Essa admirável estouvada era capaz de fazer os adões engolir a maçã inteira e não só uma dentada. E a conversa continuou mais um pouco neste tom prosaicamente popular. Mais tarde pensei comigo mesmo: deixa-me lá ir ver a história da maçã! Fui e diz assim: “E viu a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento; tomou do seu fruto e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela. Então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; e coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais” (Génesis 3:6-7). Afinal parece que não há maçã. Mas se essa árvore é uma figueira, como se insinua, devo dizer que o fruto é realmente bom, os aventais feitos de folhas é que não aconselho a ninguém. Os figos não têm caroço e nem sequer é um fruto em que seja fácil dar uma dentada e oferecer o resto ao vizinho. É um fruto que se presta a comer não só um mas muitos e sabem melhor em companhia. Os figos, contrariamente às folhas, são um pouco voluptuosos, sensuais e bons para serem comidos frescos mas também secos. Parece que os figos mais do que as maçãs são uma fruta adequada para activar esse eterno desejo de querer ser como Deus, mas o problema não está nos figos. É provável que tenha sido a Eva, isso só a prestigia, a fazer a proposta ao Adão, mas o Adão parece não ter resistido muito. Se calhar o que não queria era apanhar os figos, ou então achava que isso era trabalho de mulher. Mas, sob capa de anjinho do paraíso, dá ares de quem estava mesmo à espera de ser tentado. Regressando ao início da história, como seria se fossem sete adões? E como será se o sete significa que se trata de uma história recorrente na relação entre todos os homens e mulheres e destes com o desejo incontido de um poder absoluto, de tudo dominarem? Nem sei que diga, mas parece-me que na relação com os figos tanto Evas como Adões devem pôr-se a pau. Se por acaso caírem na irresistível tentação de seguirem os apelos deste fruto, preparem-se para o desagradável que é usar um avental de folhas de figueira. Nessa situação só mesmo perderem a vergonha e ficarem nus, e depois dizerem a Deus: Senhor, eu sei que estou nu, que poderei fazer? A partir daí talvez consigam compreender o que é ser homem e mulher e ouvir Deus dizer-lhes: Ah estão nus! Ah têm vergonha! Vocês devem ter vergonha é na cara. Não vos basta procurarem ser gente? Acham que é pouco? Com que então estão nus! Na verdade pretender ser como Deus apenas tem servido ao ser humano para fazer estragos e gerar infelicidade. Como estes que estão a acontecer com esta coisa a que chamam crise. A voluptuosa lua cheia que agora está a subir ali ao lado, grande e luminosa, teria muito mais razões para ser deusa. Mas não é. Com todo o seu esplendor continua no lugar que lhe compete, apresentando-se como um exemplo para homens e mulheres. A grandeza do ser humano está em si mesmo, não precisa de a procurar em territórios que não lhe pertencem. É como diz F. Pessoa: “Para ser grande sê inteiro… Assim em cada lago a lua toda brilha porque alta vive”.

Frei Matias, O.P.

20.10.2013

DE QUEM É A DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA?

    
1. Fez 50 anos, no passado dia 11 de Abril, a publicação da Pacem in Terris do Papa João XXIII. A sua mensagem transpôs as fronteiras das igrejas, das religiões e até do bloco soviético. Dirigida a todas as pessoas de boa vontade, a todas pedia colaboração na construção da Paz. O seu programa tinha a verdade como fundamento, a justiça como norma, o amor como impulso e a liberdade como clima.

Escrita dois meses antes de morrer, dois anos depois da construção do muro de Berlim e dois meses depois da crise dos mísseis de Cuba, incorporou, na Igreja Católica, a defesa dos direitos humanos.

Neste mês (de 2 a 4), o Conselho Pontifício Justiça e Paz procurou redescobrir a fecundidade do espírito e da letra desse acontecimento exemplar. O Movimento Nós Somos Igreja já tinha realizado uma conferência sobre esse documento, que encontrou fortes resistências no Portugal de 1963.

Ontem, o mesmo movimento promoveu uma Conferência sobre a DSI, a cargo de M. de Lurdes Paixão e Carlos Portas, com testemunhos da Comunidade de Sant’ Egídio, do Microcrédito, da DariAjudar e do P. Constantino Alves, dos Filhos da Caridade.

2. Entende-se por Doutrina Social da Igreja (DSI) sobretudo o corpo doutrinal do papado romano elaborado desde os finais do século XIX até ao declinar do século XX (1891-1991). Esta identificação manifestou-se inadequada no Vaticano II, mas foi retomada no Magistério de João Paulo II. Deixando a Igreja de ser definida a partir da hierarquia e do seu exclusivo discurso, era normal que a doutrina social dos papas não pudesse continuar a ser identificada, sem mais, com a doutrina social do Povo de Deus, confrontado este com desafios diferentes nos diversos continentes.                                                                                            

O grande teólogo e historiador, Marie-Dominique Chenu O.P. viu, na chamada DSI, a ideologia do poder romano, cristalizado em torno do bispo de Roma, o Papa. Não incarnava os comportamentos emanados do Evangelho e inscritos nas práticas sociais, económicas e políticas dos católicos. Acerca desta realidade, seria preferível falar de Evangelho Social, isto é, a repercussão da mensagem de Jesus nas diversas sociedades, no seu devir histórico e cultural.

Por essa razão, Jean-Yves Calvez, ex-provincial dos jesuítas franceses, publicou 3 volumes sobre os cristãos enquanto pensadores da realidade social[1]. Ao lado do ensino social dos papas, dos bispos, do Concílio, existe um trabalho, uma reflexão e investigações feitas por pensadores independentes que, muitas vezes, alimentam, provocam e renovam o pensamento oficial. No último volume faz o balanço das publicações que surgiram depois do Concílio. Ele próprio realizou um trabalho crítico sobre Os silêncios da doutrina social católica.

       A obra mais significativa, que refaz toda esta vasta problemática, chama-se Les Souverainités, de Hugues Puel[2]. O autor, um dominicano de  formação pluri-disciplinar (direito, economia, ciências políticas, filosofia e teologia) acompanhou, durante cinquenta anos, o movimento Economie et Humanisme. A sua grande preocupação está centrada na formulação de uma ética para a economia.

3. São numerosas as publicações em torno da DSI, umas de carácter expositivo, outras de tom apologético e, algumas, acentuadamente críticas. Multiplicaram-se os trabalhos jornalísticos sobre o banco do Vaticano e as suas mais que suspeitas ligações. Hugues Puel já tinha mostrado as deficiências de um certo discurso oficial da Igreja Católica sobre a economia monetária e financeira. Em 1929, os Acordos de Latrão entre Pio XI e Mussolini marcaram o futuro. Mussolini encontrou neles um meio de afirmar o seu regime. O papado, ao abandonar o direito aos estados pontifícios, ganhou o reconhecimento como Estado (Vaticano), sem dúvida minúsculo, 44 hectares, mas cada vez mais reconhecido na diplomacia mundial. O bispo de Roma é, ipso facto, chefe da Igreja Católica, titular da Santa Sé, Chefe de Estado.

A Itália, pelos referidos acordos, pagou à Santa Sé uma grande quantidade de dinheiro. Que fazer com ele, perguntou o Papa? O Palácio do Vaticano foi restaurado, foi lançada a Rádio Vaticano, mas ainda sobrava muito dinheiro. Serviu para criar uma instituição financeira que, em 1942, passou a ser um órgão directamente ligado à Santa Sé, com o nome de Instituto das Obras Religiosas (IOR). A partir dos anos 70, tornou-se um verdadeiro paraíso fiscal e multiplicaram-se as notícias de escândalos.

 Ao regressar à eclesiologia do Vaticano II, o papa Francisco não se cansa de repetir que a Igreja somos todos nós. Sendo assim, a DSI terá de resultar das respostas que a pluralidade das comunidades cristãs, situadas em culturas diferentes, souberem dar a antigas e novas perguntas: que fizeste do teu irmão? Que economia é essa que tem no centro o culto idolátrico do dinheiro e exclui os doentes, os idosos, os jovens e as crianças? Que religião é esta que reza o Pai-Nosso e tem uns irmãos à mesa e outros à porta?

E se trocássemos umas ideias sobre isto?





[1] Chrétiens, penseurs du social, Cerf, 2008
[2] Les Souverainités Pouvoirs Religieux.Pouvouirs Séculiers. Cerf, 2012

Frei Bento Domingues O.P.
20.10.2013
in Público
Nota NSI: A Isabel Bento, da Comunidade de Sant'Egídio, infelizmente, não pôde comparecer por motivos alheios à sua vontade.

13 outubro 2013

O PERDOADO QUE NÃO PERDOA

       
      1. Vai faltando paciência para tanta conversa sobre a situação de Portugal antes, durante e depois da troika. Conversas de avaliações e mais avaliações, de segundo resgate ou não, de programas cautelares, de ajustamentos e desajustamentos, de renegociação da dívida, de pedido de mais tempo, de ameaças com os nossos misteriosos credores, de promessas de regresso aos mercados, de recessão com ou sem espiral e com medições fantasiosas dos défices na elaboração dos orçamentos que não são para entender, mas para sofrer.

         Conversas sobre a dívida pública, em crescimento, acompanhada de austeridade e mais austeridade, de cortes e mais cortes nas magrezas das pensões da gente que não é rica, com a máquina de fazer desempregados, de tornar os pobres mais pobres e os remediados sem remédio.

        Conversas nos jornais, nas rádios e televisões sobre aumento da emigração e diminuição do acesso ao ensino superior, sobre a impossível renovação etária e a solidariedade entre gerações, os idosos estarão a mais e as crianças não serão a esperança.

        O recurso ao vocabulário psicanalítico - de masoquistas a sádicos – para classificar o comportamento dos portugueses sobre a sustentabilidade ou insustentabilidade da dívida, tornou a conversa fiada numa troca de insultos. A Constituição da República e o Tribunal Constitucional surgem como cartas fora do baralho.                                                                                                                                                                                                                         

       2. Na área cultural, de predominância judeo-cristã, vale a pena retomar a questão do Jubileu, sem catálogos de “indulgências” e tendo diante dos olhos a escandalosa distância entre ricos e pobres. Algumas organizações retomaram a problemática do “perdão da dívida” do Terceiro Mundo, inspiradas na tradição do Antigo Testamento (AT), do Ano Sabático e do Ano Jubilar.

Não pretendo sugerir e muito menos provar, seja o que for, a partir da Bíblia. Não é um livro, mas a biblioteca base, ou de referência, de judeus e cristãos, com algumas marcas no Islão, escrita ao longo de séculos e composta de muitos géneros literários que exigem vários métodos de leitura e de interpretação. Não é um ditado divino, mas um conjunto de testemunhos da intervenção de Deus, se acolhidos na fé, quanto à sua intencionalidade essencial.

       No AT, sobretudo em algumas correntes da teologia da prosperidade, a riqueza é valorizada como uma bênção divina. A saga dos patriarcas bíblicos mostra que uma grande família, abundância de rebanhos, ricas colheitas e uma vida longa valem como assinatura da bondade de Deus. O contrário é sinal de castigo. Ser rico é um sinal da graça; ser pobre é uma vergonha, uma miséria.

 Acontece, porém, que a desigualdade na repartição da riqueza levanta problemas. Ver ricos ao lado de pobres, no seio daquele que se considerava o povo de Deus, era um escândalo, feria a ordem divina: ”não deve haver pobres entre vós”. Mas havia. Perante esta situação inaceitável, para não carregar mais, mas abrir o futuro, surgiu uma legislação audaciosa, expressa no Ano Sabático, de 7 em 7 anos, e no Ano Jubilar, de 49 em 49, destinados ao repouso da terra, ao perdão das dívidas e à libertação dos escravos (Lev.25; Êx. 23; Deut. 15).

A lição é clara: só uma redistribuição periódica dos bens permite abater a espiral infernal da pauperização.

 3. Servindo-se do profeta Isaías, Jesus apresentou o seu programa, na Sinagoga de Nazaré, como um grande Jubileu: proclamar um Ano da Graça do Senhor (Lc, 4,16-22). Entre as muitas parábolas acerca do perdão de dívidas, S. Mateus (18,23-35), fez um retrato espantoso da nossa situação europeia: o perdoado de uma enorme dívida, estrangulou um pobre devedor. Vamos ao texto.

O Reino do Céu é comparável a um rei que quis ajustar contas com os seus servos. Um deles devia-lhe dez mil talentos. Não tendo com que pagar, o senhor ordenou que fosse vendido com a mulher, os filhos e todos os seus bens, a fim de pagar o que devia. O servo lançou-se, então, aos seus pés, dizendo: Concede-me um prazo e tudo te pagarei. Levado pela compaixão, o senhor daquele servo mandou-o em liberdade e perdoou-lhe a dívida. Ao sair, esse servo encontrou um dos seus companheiros que lhe devia cem denários. Segurando-o, apertou-lhe o pescoço dizendo: paga o que me deves! O seu companheiro caiu-lhe aos pés, suplicando: concede-me um prazo que eu te pagarei. Mas ele não concordou e mandou-o prender, até que pagasse tudo quanto lhe devia. Ao verem o que tinha acontecido, os outros companheiros foram contar o sucedido ao senhor. Este mandou-o chamar e disse-lhe: Servo mau, perdoei-te tudo o que me devias, porque assim me suplicaste; não devias também ter piedade do teu companheiro, como eu tive de ti?

Seria um anacronismo não ter em conta a distância social, económica e cultural entre a sociedade em que Jesus viveu e a nossa, mas esta parábola exprime a atitude que gostaríamos de ver nos que, há 60 anos, foram perdoados de uma dívida colossal e hoje procuram humilhar as vítimas, não só dos seus erros, mas de uma situação internacional que não provocaram.

 

Frei Bento Domingues, O.P.

13.10.2013

in Público

07 outubro 2013

CONVITE

O Movimento Internacional
Nós Somos Igreja-Portugal
tem o prazer de Anunciar um
ENCONTRO/DEBATE
Celebrando a Opção pelos Pobres:
A Doutrina Social da Igreja
1º Painel: 17.00
Maria  de Lurdes Paixão- Professora
Carlos Portas – Professor
2º Painel: Testemunhos
Padre Constantino Alves- Bairro da Bela Vista-Setúbal
Isabel Bento - Comunidade de Sant’Egídio
Manuel Brandão Alves – Microcrédito
Paula Policarpo- Associação DariAcordar (Desperdício Alimentar)
Moderadora: Ana Sara Brito
DEBATE
Entrada Livre
Data: 19 de Outubro 2013 – Sábado, 17 horas
Local: Palácio Galveias
Campo Pequeno, 1049-046 Lisboa
Metro: Campo Pequeno
Autocarros 1, 21, 36, 44, 49 e 56

PERDÃO DA DÍVIDA

 
1. Tornou-se uma banalidade e um expediente moralista dizer, com estilo enfático, que as nossas sociedades estão irremediavelmente dominadas por imperativos de produção, produtividade e crescimento dos lucros. Hoje, o poder não é militar, religioso ou ideológico, mas tecno-económico. Os modelos e instrumentos que usa – servidos por gráficos e mais gráficos, números e mais números - dispensam a preocupação com as pessoas e os seus estados de alma ou de corpo.   

Seja como for, num mundo onde tudo se compra e vende, parecerá ridículo falar de “perdão da dívida”, embora seja uma questão inevitável, mesmo para Portugal. Persiste uma crença económica de grande simplicidade que, de forma mais ou menos apurada, reza assim: se cada um procurar apenas o seu interesse, consegue-se um mundo justo e calmo, auto-regulado por essa mão invisível de que falava Adam Smith (1723-1790). A experiência por ele evocada repete-se todos os dias: não é da bondade do homem do talho, do comerciante da cerveja ou do padeiro que esperamos o almoço, mas do interesse que todos eles têm em fazer negócio. Com o dinheiro que ganho, compro o que permite a outros garantir a sua subsistência.

       Esta harmoniosa crença talvez funcionasse bem se toda a criatura tivesse unhas, viola e escola, oportunidades iguais e saúde. Para cada um se tornar providência de si próprio, parece que ainda falta alguma coisa. Por isso, a solidariedade e o voluntariado não servem apenas para alimentar a preguiça.

O próprio Séneca (4 a.C.- 65 d.C.), diante da mentalidade mercantilista do seu tempo, lamentava que já não se perguntasse pelo que as coisas eram, mas quanto custavam. Sublinhava, no entanto, que o gesto capaz de manter o laço que une os seres humanos, enquanto humanos, era o dom da gratuidade. Para Sócrates, só era digna de crédito a palavra que não se exercesse como um negócio. Aristóteles não era menos avisado: o dinheiro não tem filhos e a moeda não serve apenas para marcar o preço das coisas. Como intermediário, mostra que nós existimos em relação complementar, não destrutiva, uns dos outros.

2. Max Weber escreveu, em 1904, uma obra célebre, “A ética protestante e o espírito do capitalismo”. Situando a condição cristã na gestão da criação confiada por Deus aos seus filhos, a Reforma protestante parecia libertar e santificar o espírito empreendedor.

João Calvino (1509-1564) autorizou o empréstimo com juros, proibido até então pela Igreja Católica, mas praticado pelos judeus, durante a Idade Média, a principal actividade financeira que lhes era autorizada. Ao romper com este tabu no seio do cristianismo, o reformador de Genebra afastou o entrave ao desenvolvimento da livre empresa. A sua reflexão integrava os interesses do conjunto da economia: o dinheiro, na sociedade, religa as pessoas entre si; parado é estéril, mas o empréstimo, com juros, coloca-o em circulação. O dinheiro é tão produtivo como qualquer outra mercadoria.

Calvino é acusado de ter libertado os demónios da busca selvagem do lucro, mas ele tomou algumas precauções – sem dúvida insuficientes - para defender os pobres dos usurários. O empréstimo, para o consumo do necessitado, deve ser sem juros e sem esperar o reconhecimento do devedor.

         Diante das derivas que fazem da Reforma a religião do dinheiro, o filósofo protestante, Jacques Ellul, cunhou uma fórmula muito sugestiva: é preciso profanar o dinheiro. Lembra que importa retirar ao dinheiro Mamon, de que fala o Evangelho, as suas promessas ilusórias e reduzi-lo à sua função de simples instrumento material de troca. Como realizar este empreendimento profanador? Numa sociedade dominada pelo dinheiro idolatrado, J.Ellul convida os cristãos a introduzir a esfera do dom e da gratuidade.

3. Não seria eticamente aceitável fazer despesas com o propósito de as não pagar. Mas o “perdão da dívida”, desde as épocas mais recuadas até aos tempos mais recentes, nada tem de insólito. A própria Alemanha, depois de guerras criminosas, beneficiou largamente desse gesto ancestral.

Há 60 anos, 20 países, entre eles a Grécia, Irlanda e Espanha, decidiram perdoar mais de 60% da dívida da Alemanha Ocidental. Segundo uma análise de Éric Toussaint - historiador e presidente do Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo -, a dívida antes da guerra ascendia a 22,6 mil milhões de marcos, com juros. A dívida do pós-guerra foi estimada em 16,2 mil milhões. No acordo assinado, em Londres, estes montantes foram reduzidos para 7,5 mil e 7 mil milhões respetivamente. Isto equivale a uma redução de 62,6%. O historiador alemão, Albrecht Ritschl, confirmou que existiu um perdão de dívida gigantesco ao país, que no caso do credor Estados Unidos foi quase total. Em 1953, os Estados Unidos ofereceram à Alemanha um haircut, reduzindo o seu problema de dívida a praticamente nada (Cf. Dinheiro Vivo 28/02/2013).

Pedir o perdão da dívida pode ter inconvenientes. Não lutar por ele, é continuar com o país estrangulado. Na Eucaristia, os cristãos confessam que é no perdão que Deus manifesta o seu poder. Demos essa oportunidade a Angela Merkel.
         Frei Bento Domingues, O.P.
         06.10.2013
       in Público

03 outubro 2013

Nem todo o Povo de Deus concorda com a canonização de João Paulo II.


Nem todo o Povo de Deus concorda com a canonização de João Paulo II.
A opinião do Movimento Internacional Nós Somos Igreja

Hoje, o Papa Francisco anunciou no Consistório o dia da canonização do Papa João Paulo II, 27 de Abril de 2014 - juntamente com o Papa João XXIII.

A decisão relativa ao Papa João Paulo II não é consensual na Igreja Católica. O Movimento Internacional Nós Somos Igreja já exprimiu a sua opinião num comunicado à imprensa no dia 16 de Janeiro de 2011.

O Papa João Paulo II foi um papa muito controverso. A sua fatalidade reside na discrepância entre o seu compromisso em reformar e em dialogar com o mundo e o seu regresso ao autoritarismo dentro da Igreja.

Foi o seu pendor para o autoritarismo espiritual que contribuiu para a maior tragédia do seu papado: o abuso sexual de milhares de crianças em todo o mundo. Ao manter a hierarquia da igreja numa posição superior à das necessidades do povo, João Paulo II perpetuou um ambiente tóxico no qual era permitido aos presbíteros, muitas vezes repetidamente, abusar sexualmente de crianças desde que o comportamento criminoso fosse mantido em segredo, preservando a imagem pública de uma liderança impoluta.

Talvez um dos melhores reflexos deste comportamento se revele na sólida ligação de João Paulo II à Legião de Cristo e ao seu fundador, Marcial Maciel. Maciel é acusado de décadas de abusos graves contra mulheres e jovens, muitos dos quais foram parcialmente branqueados graças à legislação que João Paulo II aprovou, em 1983, para a congregação religiosa de Maciel, a qual exigia secretismo e proibição de criticar o seu fundador.

Foi igualmente esta necessidade de João Paulo II em manter o controlo hierárquico que conduziu ao decréscimo da Teologia, com um impacto muito negativo na vida das pessoas. A sua tentativa de desacreditar a Teologia da Libertação deixou milhares de pessoas empenhadas na libertação sem o pleno apoio teológico e eclesial que mereciam, enquanto padeciam sob regimes políticos brutais.

O autoritarismo espiritual de João Paulo II revelou-se, igualmente, na sua tentativa de suprimir as conversas sobre a igualdade de género, a qual, por sua vez, privou o mundo católico dos dons naturais que as mulheres trariam à liderança da Igreja. A sua posição contra as pessoas lésbicas, homossexuais, bissexuais e transsexuais (LGBT) torna-o cúmplice de igrejas e governos locais, que continuam a negar igualdade civil e moral às pessoas LGBT. Além do mais, a sua denúncia repetida da utilização do preservativo dificultou as escolhas morais de milhões de pessoas de todo o mundo que tentavam impedir o alastramento do VIH/SIDA e promover a saúde sexual.
            O Movimento Internacional Nós Somos Igreja está convicto de que a beatificação e inevitável canonização não deveriam ser avaliadas pelo facto de um "milagre" poder ser atribuído a determinada pessoa mas antes pelo facto de a vida de alguém encarnar verdadeiramente os valores de Cristo, que buscou não o poder, mas o bem-estar do povo de Deus.
Tradução de Luisa Vasconcelos Abreu