Aqui no bairro onde neste momento moro,
o dia é de noite. Ao anoitecer, um enxame de raparigas e rapazes, bonitos e
alegres, começa a encher o cruzamento de algumas ruas como se fosse uma
colmeia. Não moram cá e, por isso, nem pensam que aqui vive gente. As raparigas
da rua a quem geralmente chamam prostitutas, também são diferentes conforme as
horas do dia ou da noite. De manhã, quando até as pedras da calçada estão de
ressaca, essas raparigas, já mulheres, são as mais pobres, tristes e com
semblante de desempregadas. Delas não se sabe nem o nome. Uma é coxa, outra é
vamp, uma é muda, outra é estante, sei lá! Há uma a quem chamam beleza. Não
ganham quase nada, mas que outras coisas poderão ou saberão fazer depois de
tantos anos a fazerem o que alguns homens quiseram! Sempre achei a beleza mais
triste e melancólica. Um dia pediu-me uma sopinha quente e falou-me da sua dor
ciática. Pude compreendê-la e, por isso, senti-me à vontade para lhe perguntar
se não tinha mais nada, porque a achava com ar abatido. Pergunta irreflectida, pois
apercebi-me de que ela pensou que eu estava a referir-me à sida. Mais educada
do que eu disse-me que não, que estava tudo bem. Algum tempo depois já tinha melhorado
da ciática mas eu continuava a pensar que ela não estava bem. Tem ido à sua
médica? Eu sabia que o seu médico era médica. Respondeu que sim, que estava
tudo bem. Meses depois de algumas pequenas trocas de palavras, abeirou-se de
mim para me dizer se lhe podia dar alguma coisa para o lanche. Tirei do bolso o
que lhe podia dar e foi então que me contou mais demoradamente algumas coisas
da sua história. Verdades ou não, nunca as tinha ouvido por uma razão com duas
faces: ela terá pensado que eu tinha mais que fazer do que estar a perder tempo
com ela, eu pensava que falar com ela seria fazer-lhe perder a oportunidade de
encontrar algum dos tão escassos clientes. Entre outras coisas disse-me que não
tivesse medo de falar com ela, mas que estava muito mal dos pulmões e que
andava naquela vida desde os 15 anos porque a sua mãe a abandonou.
Perguntei-lhe de onde era a sua mãe e ela disse-me, num tom de quem pede
desculpa, que era de origem marroquina e que eram muçulmanas. Que não levasse a
mal. Pus-lhe a mão no ombro dizendo-lhe em poucas palavras o que no momento me
pareceu adequado. De um modo suave e lento foi-me retirando a mão do ombro.
Falhei mais uma vez, afinal aquele gesto para ela devia ter outro significado.
A partir daí só a ouvi e olhei, e mesmo assim com um sentimento de à rasca. Há
pouco tempo tive um choque, ainda que anunciado. Há pouco disseram-me que a
beleza está internada, mas ninguém sabe dizer onde. A beleza está internada! Sentado
e a tentar perceber onde estará, só me vem à mente aquela rapariga sem nome do
evangelho de Marcos (14, 3-9), a quem chamo Maria dos perfumes quando me refiro
a ela. Aquela que lavou com as suas lágrimas os pés de Jesus e os enxugou com
os cabelos. Dela Jesus disse: “Garanto-vos
que em qualquer parte do mundo onde for pregada a Boa Nova, será contado o que
esta mulher acaba de fazer e assim ela será recordada”. Bem sei que não é a
mesma coisa, mas tenho fé que também esta, que dizem chamar-se Maria de Fátima,
será acolhida no paraíso de modo muito especial: talvez viajando no carro de
fogo do profeta Elias ou no cavalo alado do profeta Maomé. Afinal Maria é a Mãe
de Jesus e Fátima a filha do Profeta.
Frei Matias, O.P.
18.12.2013
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