1. O
Papa está a tornar-se a referência dos que precisam de energia espiritual para
resistir à idolatria do dinheiro, à tirania dos mercados, à especulação
financeira, à economia que mata, às políticas que consideram os doentes e os
velhos um estorvo e o desemprego uma fatalidade.
Como não há coragem, nem
dentro nem fora da Igreja, para o mandar calar de vez, os seus adversários encomendaram
a jornalistas e comentadores de serviço, a sua desvalorização: este Papa não
diz nada de novo; repete o que está dito e redito, desde o séc. XIX, na Doutrina
Social da Igreja, não passa de um populista.
Os desconsolados com o Papa Francisco não são
contra a solidariedade. Sabem o que fazer para que nunca haja falta de pobres.
Insuportável é o método do seu
discurso e actuação: convocar toda a Igreja a olhar este mundo a partir dos
excluídos, mudar o centro da sua missão para a periferia e organizar-se a
partir daí.
Sonho, diz o Papa na Exortação Evangelli Gaudium, com a opção missionária capaz de
transformar os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a
estrutura eclesial num canal de evangelização e não apenas um instrumento da
sua auto-preservação. Pertence ao Bispo promover uma comunhão dinâmica, aberta
e missionária na sua diocese. Deverá estimular e procurar um amadurecimento dos
organismos de participação propostos pelo Código
de Direito Canónico e de outras formas de diálogo pastoral, com o desejo de
ouvir todos e não apenas alguns, sempre
prontos a lisonjeá-lo.
“Dado que
sou chamado a viver aquilo que peço aos outros, devo pensar também numa
conversão do papado. Compete-me, como Bispo de Roma, permanecer aberto às
sugestões tendentes a um exercício do meu ministério que o torne mais fiel ao
significado que Jesus Cristo lhe deu e às necessidades actuais da evangelização”
(n. 32).
O Papa pede o abandono de um critério pastoral
muito cómodo e muito usado: “fez-se
sempre assim”. Convida todos, sem contemplações, a serem ousados e
criativos na tarefa de repensar os objectivos, as estruturas, o estilo e os
métodos evangelizadores das respectivas comunidades. Vai mais longe: ”Uma
identificação dos fins, sem uma condigna busca comunitária dos meios para os
alcançar, está condenada a traduzir-se em mera fantasia” (n.33).
2. Recorre
ao Vaticano II para afirmar a hierarquia
das verdades da doutrina católica, dado que nem todas têm o mesmo vínculo
com o fundamento da fé cristã. Isto é tão válido para os dogmas de fé, como
para o conjunto dos ensinamentos da Igreja, incluindo a doutrina moral (n.36). Invoca
S. Tomás de Aquino para dizer que na mensagem moral da Igreja há uma hierarquia nas virtudes e acções que
dela procedem. A misericórdia é a maior
de todas as virtudes.
Esta falta de hierarquia na pregação e na
catequese gera distorções muito graves. É o que acontece quando se fala mais da
lei do que da graça, mais da Igreja do que de Jesus Cristo, mais do Papa do que
da palavra de Deus (n.37-38). A defesa de uma doutrina monolítica não respeita
a riqueza inesgotável do Evangelho. Impõe-se um constante discernimento para
não atravancar o caminho com mensagens e costumes que já não são um serviço na
transmissão do Evangelho: não tenhamos
medo de os rever! Realça, na linha de Tomás de Aquino, que os preceitos
dados por Cristo e pelos apóstolos ao povo de Deus são pouquíssimos, para não tornar pesada a vida aos fiéis nem
transformar a nossa religião numa servidão. A misericórdia de Deus quis que
ela fosse livre. A Eucaristia, embora constitua a plenitude da vida
sacramental, não é um prémio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um
alimento para os fracos. (n. 43-47)
3. É
para chegar a todos, sem excepção, que a Igreja assume este dinamismo
missionário. Mas, a quem deverá privilegiar? Quando se lê o Evangelho,
encontramos uma orientação muito clara: não tanto os amigos e vizinhos ricos,
mas sobretudo os pobres e os doentes, aqueles que muitas vezes são desprezados
e esquecidos, aqueles que não têm como
retribuir (Lc 14, 14). Não devem subsistir dúvidas nem
explicações que debilitem esta mensagem claríssima. Hoje e sempre, os pobres são os destinatários privilegiados
do Evangelho e a evangelização dirigida gratuitamente a eles é o sinal do
Reino que Jesus veio trazer. Há que afirmar, sem rodeios, que existe um vínculo
indissolúvel entre a nossa fé e os pobres. Nunca os deixemos sozinhos! (n. 48)
Prefiro uma Igreja ferida e enlameada por ter
saído pelos caminhos, a uma Igreja doente de tão fechada sobre si mesma,
acomodada e agarrada às suas próprias seguranças. Mais do que o temor de
falhar, devemos ter medo de continuar encerrados nas estruturas que nos dão uma
falsa protecção, nas normas que nos tornam juízes implacáveis, em hábitos que
nos deixem tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta. Jesus repete-nos,
sem cessar: Dai-lhes vós mesmos de comer
(Mc 6, 37). (49)
Este resumo da primeira parte da Exortação E.G. mostra que o método deste
Papa não é o de repetir, mas de inovar e provocar inovações.
Frei Bento Domingues, O.P.
08.12.2013
in Público
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