Neste tempo de Natal, de preparativos festivos mesmo em tempo de crise, parece que o tempo encolhe ainda mais!
Entre o Natal e o Ano Novo os dias fogem em prolongamentos natalícios de agradáveis encontros da família e de amigos que são para nós os Anjos e os Pastores das nossas vidas. Reunidos não já em estábulos mas comparativamente em palácios onde a estrela de Belém se encontra connosco vimos adorar o Menino e aprendermos a fazer a Paz ou a tomar consciência de que os aspectos materiais são o que menos importa diante da beleza e da fraternidade a que somos convidados. Um paradoxo, esta difícil gestão do essencial e do assessório.
Sabemos como afirma o Ecclesiastes que “Há tempo para tudo na Terra, tempo para nascer, tempo para morrer, tempo para amar…” e por aí fora, mas parece que esse tempo universal gerido fora de nós, se reduz no fuso horário a que pertencemos a minudências urgentes.
Chamam-se férias do Natal, pausa do Natal, Advento para preparar o Natal do Deus-Menino mas o que é facto é que a Sua “festa de anos” tem tantos convidados em tantas casas diferentes por onde nos repartimos dá uma “trabalheira” vivida com amor é certo mas… não deveríamos fazer de forma diferente?
Quando cantamos as quadra tipicamente portuguesa;
“Nossa Senhora faz meia,
com linha feita de Luz,
o novelo é Lua cheia,
as meias são p’ra Jesus”
Lembramo-nos que deveríamos ter aprendido a fazer meias dos nossos novelos menos lunares e mais prosaicos ao logo de todo o ano para que cada pessoa que é o rosto humano do divino irmanado em Jesus não continue a ter os pés frios, desconforto que, muito para além do corpo, se vive no dia–a-dia de quem não tem alguém que vele por ela como Maria fez com Jesus.
Um tempo novo anunciado cada Natal é um tempo em que a gente conte mais do que as coisas e que haja tempo para tudo.
Temos mais um ano para aprender e talvez por por isso haja tempo para tudo na terra.
AFF 25/12/2011
28 dezembro 2011
23 dezembro 2011
Novo missal em inglês
Os textos do missal inglês mudaram recentemente, no sentido de ficarem mais próximos do original latim, talvez a maior mudança na liturgia em inglês desde o Concílio Vaticano II.
Esta nova tradução tem suscitado várias críticas. Algumas são mais sérias e fundamentadas, e afirmam que esta nova mudança vai no sentido contrário ao do Concílio, tornando a linguagem mais difícil e o estilo linguístico mais intrincado e abstruso. Há mesmo um site, Misguided Missal, que concentra bastante informação sobre o assunto.
Há outras mais brincalhonas, como este episódio do Colbert Report, ou vários cartoons deste blogue.
Os críticos têm defendido que a nova linguagem é muito afastada do inglês comum. O texto do missal que se tem tornado símbolo desta crítica é a uma parte do credo em que se diz que o Filho é "consubstancial with the Father", quando antes se dizia "one in being with the Father". Já há igualmente paródias à situação, como uma tradução revista de uma receita de cookies.
Isto fez-me pensar. Em Portugal, já há muito tempo que dizemos no credo que o Filho é consubstancial ao Pai, sem ninguém se preocupar muito se quem está na missa sabe o que isso quer dizer. Para além disso, julgo que a nossa liturgia será das poucas que não trata Deus por tu. Tudo isto é sinal de que nós, em Portugal, damos mais importância à "solenidade" das cerimónias do que à simplicidade e à participação dos fiéis. E tenho pena que não haja ninguém que queira ver isto seriamente discutido, à semelhança do que está a acontecer nos países de língua inglesa.
21 dezembro 2011
Noémia e Mara
A dona Noémia emigrou. Tempos difíceis levaram-na para fora do seu país. Partiu com o marido e dois filhos. Mais fértil, aquela terra oferecia melhores oportunidades a quem procurava uma vida melhor. Primeiro trabalharam no campo, passando depois por vários ofícios, conforme as épocas do ano. Chegaram mesmo a ter negócios em que vendiam produtos manufacturados em casa ou adquiridos a outros. No inverno era duro trabalhar nas produções agrícolas. De joelhos na terra para não andarem muito tempo curvados, e outras vezes curvados para pouparem os joelhos, afectados sobretudo pela humidade e a terra fria. No verão era duro o calor, a poeira, o pó da palha e das ervas, o suor escorrendo pela cara ou sendo absorvido pelos lenços apertados. Mas eram boas as condições de vida: tinham sempre os bens essenciais. Raramente se preocuparam em saber o que comeriam no dia seguinte, ou mesmo na semana seguinte.
Foi assim que viveram durante anos em terra estrangeira. Mas a lei da vida, à qual se liga a lei da morte, em pouco tempo fez ruir a sua casa. O seu marido e, algum tempo depois, os dois filhos partiram deste mundo antes dela. Sentia-se mal sempre que pensava nisso, mas também pensava no desgosto que eles teriam se ela fosse primeiro. Para eles seria pior. Bem, os filhos tinham as suas mulheres, mas o marido, com aquele feitio, iria sofrer no corpo e na alma. Aconteceu como Deus quis: os homens partiram e ficaram as mulheres. Nessas condições decidiu voltar à sua terra. As noras, naturais desse país que os acolhera, quiseram acompanhá-la. Ela não estava de acordo mas só uma aceitou ficar. A outra partiu com a sua sogra, passando agora ela à condição de estrangeira. O que iria ser destas duas mulheres num tempo e num lugar em que mulheres sem homem não eram ninguém?
Não foi só por essa razão que Noémia pensou em mudar de nome. Quando chegou à sua terra, as velhas amigas ainda a reconheciam e quiseram alegrar-se com ela pelo seu regresso feliz. Clamavam em coro: a Noémia voltou à terra de seus pais! Mas ela não mostrava alegria e dizia-lhes para não lhe chamarem Noémia e sim Mara. Depois souberam porquê, mas eram de opinião que não se devia deixar dominar pela tristeza. Aquela mulher, de coração tão bondoso e de espírito tão agradável não podia deixar-se possuir pela amargura. O Senhor iria intervir em seu favor porque ele não abandona quem se mantém na esperança. Sem mais delongas, foi isso o que aconteceu, e de modo surpreendente para toda a gente. Em pouco tempo, todos os habitantes daquela região puderam ver as maravilhas que o Senhor fez com sua nora e ela. Quem desejar saber o que realmente aconteceu pode ler o pequeno livro de Rute, do Antigo Testamento. Na história de Rute e Noémia (Mara por pouco tempo) assenta a raiz da árvore de Jessé, aquela árvore da qual nasceu o Salvador, Jesus Cristo, Senhor. É assim que há um Feliz Natal.
Frei Matias, O.P.
17 dezembro 2011
Carregando Jesus no coração
Gosto desta condição a que a Ana Vicente chama a rotina do quotidiano, para levar os dias carregando Jesus no coração. Cristãos, homens e mulheres no anonimato das cidades, aqui estamos a viver este tempo de Natal, ainda Advento na espera da noite clara de estrelas e anjos, motivo de fé e aleluia no mundo inteiro e motivo de festa nesta parte ocidental do mundo. Mergulhamos nos rituais profanos próprios da época, desfiamos as horas em contagem decrescente até ao nascimento do Menino, a cada ano renovada. A tentação de divagar sobre o Natal é grande e óbvia, passo os olhos pela minha estante de livros, vejo as antologias de contos e de poesia, mais os títulos dos clássicos, entre os discos repasso as compilações de cânticos e de músicas, na rua há poucos enfeites, mas lá estão eles nas montras das lojas, por favor, não industrializemos o Natal, pedia o poeta Carlos Drummond de Andrade.
Mas é maior em mim a ideia de temperar a baixa e chata rotina do quotidiano de ano inteiro com a luminosa, fecunda, criativa, emocionante presença de Jesus, descobrindo um novo sentido nesta vida. Usar os cinco sentidos da minha natureza humana para ter atenção ao mundo à minha volta, para tentar perceber os outros e perceber-me a mim própria. Aproveitar as circunstâncias mais banais ou comuns para melhor descobrir os significados das minúcias de cada dia.
Por exemplo: reli os textos publicados no blogue do Nós Somos Igreja e gostei de pensar em unidade na diversidade. Parei com a imagem de cada um dos autores e autoras, tão diferentes e variados nos seus caminhos e circunstâncias, e nesta noite em que escrevo, sem ser Natal, sinto uma quentura de fraterno bem-querer no coração, se calhar Jesus está a passar silenciosamente por aqui, a amansar a impaciência que me provocam os comentadores de televisão, os debates de opinião, os analistas políticos, as primeiras páginas do Correio da Manhã e das revistas onde o estupro, a traição, o logro, pretendem povoar os dias dos cidadãos, no tal quotidiano em que é bom saber que Deus está connosco.
Por exemplo: andar nos autocarros e no metro e substituir desprezos ou distâncias, ou mesmo compaixão, pelo exercício de fingir, como o Fernando Pessoa, que eu sou aquele outro ou outra no banco à minha frente. Que vida será aquela? Que palavra de Jesus carrega em si, que invocação, que súplica, que perdão pedirá?
Por exemplo, dar graças por tudo e por nada, à toa, porque a fé se renova a cada momento na tal rotina do quotidiano, bem o sabiam os simples e antigos que a Deus pediam vida e sorte e pão, e nem nos tempos mais difíceis se esqueciam de agradecer a sobrevivência.
Leonor Xavier
12 de Dezembro de 2011
11 dezembro 2011
ONDE O NATAL SE VIVE TODOS OS DIAS
Em todo o país há pessoas e instituições maravilhosas que procuram, na rotina do quotidiano, viver a difícil mensagem cristã do amor incondicional ao próximo.
Mas quem é o meu próximo? perguntava capciosamente a Jesus o doutor da lei, no Evangelho de São Lucas (10: 29-37).
Para as cinco freiras dominicanas que vivem no Convento dos Cardaes em Lisboa, o próximo são 38 mulheres, todas elas com graves problemas de saúde, do foro mental, da visão, o que seja, que aí estão acolhidas. Quase todas vêm de meios pobres e não têm família afectiva. O objectivo, a meu ver conseguido, é que ali encontrem dignidade, bem-estar e autonomia.
A Irmã Ana Maria Vieira, coordenadora, conta ainda com colaboras remuneradas e um grande número de voluntárias/os para garantir o espírito leve e aberto que atravessa esta comunidade de mulheres. Há um clima palpável de alegria e descontração, numa casa bem ordenada e extremamente bonita. E ficamos a reflectir, mais uma vez, porque persiste na tradição da instituição-igreja a exclusão das mulheres dos ministérios ordenados. Jesus não se quer fazer representar por estas religiosas?
Tão bonito é o convento que todas as tardes, ao longo do ano, está aberto ao público, sendo as guias um grupo de mulheres que realizam este trabalho sem remuneração. Realizam-se ainda ocasionalmente concertos e exposições.
Vivem de quê? além de apoios do Estado, insuficientes, aceitam de bom grado qualquer donativo (NIB 0018 0000 0009474 000181), fabricam e vendem doces e compotas, vendem livros usados, e nos dias 11, 16, 17 e 18 de Dezembro de 2011 servem lanches deliciosos num claustro encantador. A entrada dos visitantes faz-se pela rua do Século, 123, no Bairro Alto, em Lisboa, o tel. é 213 427 525, ver http://profile.to/conventodoscardaes.
Ana Vicente (membro do Movimento Internacional Nós Somos Igreja)
11.12.2011
Mas quem é o meu próximo? perguntava capciosamente a Jesus o doutor da lei, no Evangelho de São Lucas (10: 29-37).
Para as cinco freiras dominicanas que vivem no Convento dos Cardaes em Lisboa, o próximo são 38 mulheres, todas elas com graves problemas de saúde, do foro mental, da visão, o que seja, que aí estão acolhidas. Quase todas vêm de meios pobres e não têm família afectiva. O objectivo, a meu ver conseguido, é que ali encontrem dignidade, bem-estar e autonomia.
A Irmã Ana Maria Vieira, coordenadora, conta ainda com colaboras remuneradas e um grande número de voluntárias/os para garantir o espírito leve e aberto que atravessa esta comunidade de mulheres. Há um clima palpável de alegria e descontração, numa casa bem ordenada e extremamente bonita. E ficamos a reflectir, mais uma vez, porque persiste na tradição da instituição-igreja a exclusão das mulheres dos ministérios ordenados. Jesus não se quer fazer representar por estas religiosas?
Tão bonito é o convento que todas as tardes, ao longo do ano, está aberto ao público, sendo as guias um grupo de mulheres que realizam este trabalho sem remuneração. Realizam-se ainda ocasionalmente concertos e exposições.
Vivem de quê? além de apoios do Estado, insuficientes, aceitam de bom grado qualquer donativo (NIB 0018 0000 0009474 000181), fabricam e vendem doces e compotas, vendem livros usados, e nos dias 11, 16, 17 e 18 de Dezembro de 2011 servem lanches deliciosos num claustro encantador. A entrada dos visitantes faz-se pela rua do Século, 123, no Bairro Alto, em Lisboa, o tel. é 213 427 525, ver http://profile.to/conventodoscardaes.
Ana Vicente (membro do Movimento Internacional Nós Somos Igreja)
11.12.2011
05 dezembro 2011
HABEMUS PAPAM
Não vou falar da obra cinematográfica de Nanni Moretti. Tem muitos admiradores e a crítica não se cansa de o apontar como um dos grandes do nosso tempo. Aqui interessa-me destacar o filme Habemus Papam – Temos Papa. A expressão é bem conhecida pelos mais idosos, pelos que já assistiram – pelos meios de comunicação – a tudo o que precede e segue a eleição de um Papa. Sou dos que já contam cinco eleições papais. Acerca desse acontecimento, o povo católico sabe o que lhe transmitem os meios de comunicação antes, durante e depois. Nem sempre com informação e conhecimento suficientes acerca do Vaticano, e da realidade profunda da Igreja. Na maior partes das vezes há palpites, mesmo entre os “vaticanistas”.
Costuma-se dizer que quem “entra papa não sai papa”. Em geral, os nomes mais publicitados nem sempre acabam por ser os que reúnem a maioria dos votos de um eleitorado de anciãos que nem sequer foram eleitos pelos católicos. É o Papa que escolhe aqueles que um dia irão escolher o seu sucessor. Estranha democracia esta… Na realidade é só um que actua na vez de todos: “eu sou a igreja”. Só ele escolhe os futuros eleitores do Papa, os cardeais de determinada idade. Só o Papa passa a não ter idade. Uma das tarefas do Nós Somos Igreja continuará a ser a importância do papel dos católicos na escolha dos ministérios eclesiais.
Julgo, por isso, que o filme Habemus Papam, deve ser muito debatido. Nanni Moretti não pretendeu, como expressamente o disse, atacar o Papa actual. Foi muito mais longe e em profundidade.
João Paulo II morre e procede-se, dentro das normas, a um conclave donde deve sair um nome. Um sinal, um fumo branco, anunciando que já temos Papa. Neste filme, filme dos tempos modernos, tudo começa a complicar-se. A Praça de S. Pedro está cheia, mas o Papa não se mostra, não aparece à janela. De repente, nem os cardeais que o elegeram sabem onde ele está. Fugiu, pois não se sente capaz de assumir uma responsabilidade que, normalmente, é aceite de modo automático em nome da vontade de Deus, do Espírito Santo. Neste caso o eleito entra em crise. O cineasta encontrou soluções admiráveis, quer para manter a Praça de S. Pedro em continuada expectativa, entreténs para os velhos cardeais, ocupação para os psicanalistas, percursos irreconhecíveis do Papa pelos transportes romanos, etc..
É um retrato, em profundidade, da situação do governo da Igreja, envelhecido e à margem do mundo e do povo católico. No filme, a recusa do Papa eleito é a recusa que todos deviam fazer, por serem escolhidos naquelas condições. O drama vivido por esta figura, não é um drama que a psicanálise possa resolver. É de outra ordem: o Espírito Santo não pode substituir os caminhos verdadeiramente humanos dos ministérios ordenados da Igreja. O seu topo reflecte a falta de participação democrática. Se a Igreja, como se repete, não é uma democracia, não deve ser menos do que uma democracia. Deve ser mais, uma fraternidade e sem negar os mecanismos democráticos das instituições de expressão humana. Porque será que, nos belíssimos planos que mostram os cardeais, nem uma mulher. Será que as mulheres nem sequer servem para eleger o Papa?
Uma obra uma vez publicada ou exibida já não pertence ao autor. Pertence a quem a desfruta, a repudia ou lhe fica indiferente. Também este filme está nos olhos dos espectadores.
Será recebido e interpretado de diversos modos. Há regras para ajudar a vencer a arbitrariedade, mas não para vencer diversos pontos de vista. O seu valor estético e a estética do seu humor salvam-no de poder ser transformado numa obra de ataque ou defesa da Igreja. É, no entanto, um grande contributo para que, católicos e não católicos, se interroguem acerca do que se passa, hoje, na e com a Igreja.
Frei Bento Domingues, O.P.
5 de Dezembro 2011
30 novembro 2011
Entre a Dor e o Riso
Tempos Interiores de Mudança
O meu tempo do Advento chega-me sempre antes do domingo marcado no calendário litúrgico. É assim desde que comecei a tomar consciência do burburinho interior que em certos momentos nos faz pensar na nossa própria condição, recordando as perdas e adversidades, os sucessos, as horas de júbilo que fazem da nossa vida uma festa. No dia de Todos os Santos, 1 de Novembro, sempre me vem uma onda de emoção que disfarço dos outros, a revolver o mais fundo de mim. Simplesmente e sem nenhuma possível interpretação teológica, o Sermão da Montanha, em palavras de dor e compaixão rematadas na certeza da esperança, é o sinal do Advento em mim.
E nestes dias sombrios de Novembro, naveguei à procura de mais palavras de alento, ditas por quem experimentou as peripécias da grande história humana. Fui reler o Livro de Job, porque em momentos difíceis me anima a história do sofrimento rematada pelo regresso da felicidade, na entrega da fé. Passei pelo Salmo 107: “Na sua aflição clamaram a Iavé, e ele libertou-os das suas angústias. Ele transformou a tempestade em leve brisa e as ondas emudeceram. Ficaram alegres com a bonança e ele guiou-os ao porto desejado.” Guardei o fragmento do Profeta Isaías, sobre a paz recuperada: “Os resgatados de Javé voltarão! estarão de volta a Sião cantando e com a cabeça coroada de uma alegria sem fim, serão acompanhados de dor e contentamento, dor e aflição ficarão para trás” (51-11)
E remato com uma historinha verdadeira, a colorir os tempos que vivemos: O João, filho da minha amiga Ana, deu 50 cêntimos a um pobre, antes de tomar o comboio do Porto para Lisboa. Quando foi pagar um café faltavam-lhe 15 cêntimos. Voltou ao pé do pobre e pediu-lhe – ó pá, empresta-me aí 15 cêntimos. O pobre, encantado por alguém lhe pedir 15 cêntimos, levou a mão ao bolso – eh pá toma lá 50, que te podem fazer falta.
A alegria de dar e receber, num dia qualquer.
26 novembro 2011
“Cantar é rezar duas vezes!”
Se “cantar é rezar duas vezes”, como afirma o ditado, é estranho que as pessoas, particularmente os cristãos portugueses, cantem tão pouco.
É verdade que o canto foi praticamente eliminado da escolaridade, substituído quase só pela disciplina de Educação Musical nos 5º e 6º anos. A Arte, de um modo geral é pouco valorizada pelo sistema educativo. Tornou-se cada vez mais objeto de consumo. Vê-se, ouve-se, mas não se faz, não se pratica…
Espetadores da realidade, seja via TV, computador, iPod ou telemóvel, grande parte das pessoas entra em contacto com a música via TIC; consomem música como quem consome outra coisa qualquer. É pena! Uma parte importante dos seus próprios talentos fica por explorar. O canto é um deles.
“Analfabetas musicais”, “duras de ouvido”, “desafinadas”, muitas pessoas assumem-se como tal sem nunca terem tentado seriamente cantar. Dizem-no com tanto desembaraço como se não fosse estranho essa forma de analfabetismo funcional. E pior, parece que se orgulham disso!
Claro que não há muitas ocasiões para cantar, sem ser no douche. As longas viagens de carro com as crianças, em que as familias cantavam em conjunto, passaram a ser bem mais curtas e os rádios, CDs e afins que equipam de origem os automóveis, substituiram essa atividade coletiva que entretinha graúdos e miúdos. Em casa, a televisão ocupou o espaço da velha telefonia. Cantarolar tornou-se assim uma coisa rara. Muito menos ainda se encontra ocasião de cantar.
Restam-nos os cânticos nas celebrações litúrgicas. Ora precisamente aí deveríamos poder encontrar duas dimensões importantes do ato de cantar. Por um lado é um momento de festa e de expressão de alegria (ou o louvor, ou a prece…) na partilha fraterna a que Eucaristia remete. Acontece que a Missa é em muitos lados apenas mais um tempo da folga de domingo e nada mais, de festa não tem nada. O outro aspeto é a dimensão coletiva do cântico religioso, é a comunidade que canta em conjunto, numa só voz, ou seja faz-se a experiência da pertença ao cantar em grupo, em côro, como povo de Deus.
Acontece que muitas vezes os cristãos se demitem de ao menos tentarem cantar em conjunto nas celebrações.
A tradição judaico-cristã situa-nos amplamente nesse caldo de cultura musical que vem bem clara nos Salmos e se desdobra nas variantes culturais em que se expressou históricamente, o que na tradição católica implica incluir o canto gregoriano a par de outras expressões musicais e/ou corais como parte integrante da vivência coletiva da Fé em Igreja.
Não se espera, dado o contexto atual, que em Portugal o povo cristão esteja musicamente desperto para o canto ou intuitivamente o faça, qual coro de Gospel, nem que a qualidade do canto seja fantástica, mas há uns mínimos que deveriam ser expectáveis. Infelizmente estamos ainda longe do desejável.
Hoje em dia os cânticos e os grupos corais das Missas, são muitas vezes um espetáculo de mau gosto lamecha com falta de conteúdos, quer na partitura, quer no poema do texto. (Invocações cantadas do género “Meu Jesus eu amooooooo-Teeee!”...) Outros, por seu lado, não sabem distinguir um Cântico de Entrada de um de Ação de Graças (basta aprender a estrutura da Missa, não é complicado). Algumas paróquias ainda usam o grupo coral como continuação do enquadramento funcional da catequese de jovens. O facto de se ser jovem não implica necessariamente saber orientar musicalmente uma Missa. Tal como o ser idoso e costumar ir à Missa não dá competências musicais particulares às “beatas de serviço” que se esganiçam esforçadamente para alegrar (?) a liturgia.
Felizmente em muitos sítios os cânticos são bem escolhidos, os animadores e/ou grupos corais cumprem a sua função e dão o apoio necessário para toda a gente que possa cantar. Se quiser cantar…
O esforço musical de encontrar as formas musicais liturgicas atuais fáceis de cantar em Igreja, vem-nos em parte significativa da comunidade ecuménica de Taizé. Há aí um potencial a explorar se a opção pastoral for, como deveria ser, de por toda a gente a cantar.
Há ainda a considerar as Missas em que não é suposto o povo cantar. As celebrações com especialistas musicais. Existem para todos os gostos. Com canto gregoriano, com fado, com cânticos dos séculos XVI e XVII, e por aí fora. Estão muito em voga para casamentos por exemplo.
Nestes casos a qualidade do desempenho musical é altíssima. É um prazer ouvir! Mas de facto está-se a assistir a um concerto de temática liturgica inserido na celebração. Como opção pastoral é legítima mas será realmente adequada? Compreende-se apenas inserida numa mais ampla estratégia musico-pastoral.
Sabemos que a escolha das Missas depende dos gostos e das modas; há as homilias que “estão in” como há os cânticos que estão “in”. Ambos os fatores pesam na escolha das pessoas, além da hora e local da celebração. É um dado de facto e não um juízo de valor.
Como “ na casa do Pai há muitas moradas”, a diversidade de opções é um enriquecimento eclesial.
No entanto, como diz o fado “Se Deus me (nos) deu voz foi p’ra cantar…”
Era bom então que assumissemos esse dom e o soubessemos partilhar…em côro!
Neste tempo de crise, económica e civilizacional, cantar é “de borla”. É um prazer que se tem, que se dá e se recebe e nunca se gasta. Diz a sabedoria popular, além de afirmar que cantando se reza duas vezes, que “Quem canta, seu mal espanta! “ e é verdade!
20 novembro 2011
Cohelete e Nicodemos
Cohelete e Nicodemos são duas personagens bíblicas. O Cohelete não é mulher e o Nicodemos é claramente homem. O primeiro é do antigo testamento, três séculos antes de Cristo; o segundo é do tempo de Jesus e seu simpatizante. Cohelete dá mesmo o nome a um livro que aparece na Bíblia com o título de Eclesiastes. Era um sábio, um pregador, um comentador da vida no mundo e em Deus. Nicodemos era um fariseu, um mestre da lei, um homem do parlamento (Sinédrio).
Cohelete e a gente representada pelo seu livro parecem estar numa posição dentro do judaísmo que talvez tivessem necessidade de dizer: nós também somos judeus. Apresenta-se com algum cepticismo, até mesmo melancolia, descrente do mundo e da vida, apenas com esperança em Deus como aquele que dá sentido ao que parece não ter sentido nenhum. Diz que a vida humana, às vezes, é como andar atrás do vento. É uma espécie de super-realista diante do que observa dos comportamentos humanos e da repetição cíclica de todas as coisas.
Consegue analisar tudo o que pode ser abrangido pelo conhecimento e ver o que está mal, mas não vê formas de os homens serem diferentes. Só mesmo com a força de Deus. Analisa o que torna a vida arrastada, aborrecida e sem alegria e, nesse sentido, sabe o que não quer. Mas não sabe o que fazer ou o que esperar da repetição fastidiosa dos dias e de tudo, em que tanto o homem como o animal parecem destinados ao mesmo: o pó.
Nicodemos conhece Jesus e até simpatiza com ele. Vê que é bonito e feliz aquilo que Jesus faz e diz, mas é de uma exigência que vira tudo do avesso. Por isso vai encontrar-se com ele só de noite. Jesus diz-lhe que ele é um homem que parece querer o que vê, mas para chegar a isso precisa de nascer de novo. Ora aí é que está o problema: ele é fariseu, tem a segurança da lei, a salvação pelo cumprimento das suas obras; é olhado com admiração nas praças, onde estende a mão para dar esmola num gesto largo e vistoso; faz parte do lugar onde se determina a vida das pessoas, onde se decide sobre tudo e todos. Ele e os seus são os judeus. Não precisam de o afirmar e sair dessa posição é complicado. Sabe que para nascer de novo não precisa de entrar no ventre da mãe e sair outra vez nu, mas que tem que se despir de tudo o que é, para começar nu de novo.
Cohelete analisa a vida e o mundo, vê o que o aborrece e por isso vê o que não quer, mas não sabe muito bem por onde ir e o que fazer. Resta-lhe confiar em Deus. Nicodemos analisa tudo isso e compreende o que deveria fazer e por onde ir; mas não é capaz, pesa mais no seu coração e na sua vida tudo aquilo que tem e faz.
Entre Cohelete e Nicodemos, também nós somos Igreja.
(Amatop)
Frei Matias, O.P.
11 novembro 2011
Ao contrário de que é tantas vezes dito por autoridades eclesiásticas, constata-se que na Europa, como no resto do Mundo, a religião, a espiritualidade, a transcendência estão muito presentes na vida das pessoas, sendo o cerne dos seus valores e das suas vivências. O Atlas das Religiões e muitas outras investigações assim o comprovam. Em Portugal, uma larga maioria da população revê-se no catolicismo. Ou seja, a secularização não está a alastrar. O que se alterou nos países onde se atingiram maiores índices culturais e sociais, como na Europa e na América do Norte, foi a relação das pessoas com as autoridades que falam em nome do sagrado, que não mais são ouvidas acriticamente, passivamente, obedientemente.
Tal se deve ao aumento dos níveis educativos, à democratização da sociedade, ao empoderamento das mulheres e dos homens, à aspiração a uma justiça terrena. Ao sonho proposto por Jesus de que 'outro mundo é possível.'
05 novembro 2011
Viagem a Espanha
No fim-de-semana passado o colectivo espanhol de grupos católicos Redes Cristianas organizou uma assembleia nacional em Jerez de la Frontera. Participaram várias dezenas de pessoas, de comunidades de base e outros grupos similares, vindos de toda a Espanha. Foram organizadas 14 oficinas, que decorreram no sábado, todas bastante concorridas, e uma celebração, com guião organizado pelos organizadores, no domingo.
Foi muito revigorante ver a vitalidade dos grupos católicos espanhóis mais progressistas. Mais surpreendente, porém, foi o que me esperava na Catedral de Sevilha, que visitei depois do fim do encontro. Dentro da própria catedral, e com autorização escrita do arcebispo, estava um grupo de professores “acampados”, com colchões, mantas e tudo o mais que era necessário, lutando pela manutenção de direitos iguais para trabalho igual.
Eu participei na reunião a convite da organização, como representante do movimento Nós Somos Igreja - Portugal. Apenas tive tempo de participar na celebração final e na oficina sobre construção de uma igreja plural, organizada pela Corriente Somos Iglesia, onde participaram cerca de 20 pessoas, de diversas partes de Espanha. Todas traziam
histórias interessantes de celebrações, reflexões, vida de paróquia organizada “a partir de baixo”, com grande participação da comunidade, quer nos trabalhos quer nos processos de decisão. Houve também muitas referências a
movimentos da sociedade civil, nomeadamente ao 15M (15/Maio, movimento ue ocupou a Puerta del Sol).
Foi muito revigorante ver a vitalidade dos grupos católicos espanhóis mais progressistas. Mais surpreendente, porém, foi o que me esperava na Catedral de Sevilha, que visitei depois do fim do encontro. Dentro da própria catedral, e com autorização escrita do arcebispo, estava um grupo de professores “acampados”, com colchões, mantas e tudo o mais que era necessário, lutando pela manutenção de direitos iguais para trabalho igual.
Várias pessoas, surpreendidas como eu, se aproximavam para conversar com os professores, que expunham a sua situação e pediam apoio, através de um abaixo-assinado.
Sendo a catedral de Sevilha a terceira maior de todo o Catolicismo, teria sido muito fácil para o arcebispo recusar este acampamento. Foi assim igualmente revigorante ver que, neste caso, os valores defendidos soaram mais alto do que a majestade do lugar.
01 novembro 2011
Bodas de Prata
1. As surpresas nem sempre têm de ser boas. O medo do desconhecido é paralisante em qualquer dimensão da vida. A diferença entre a cultura tradicional e a cultura moderna reside na atitude perante o futuro. Para a cultura tradicional o importante é repetir o passado. Dar futuro ao passado. A cultura moderna caracteriza-se pela confiança na inovação, na criação do diferente, do que nunca existiu.
As duas atitudes têm virtudes e defeitos. A virtude da cultura tradicional é o respeito pelo património legado pelas gerações do passado. O seu vício é o tradicionalismo, a repetição: assim como era no princípio agora e sempre pelos séculos e séculos. No Vaticano II foi muito difícil saber distinguir entre tradição e tradições. Nem tudo o que vem do passado deve ser mantido. Há tradições que são uma traição ao espírito da tradição que é um ponto de partida para o ainda não. Há quem diga que o passado é o que passou. Mas há passado que deve ser transmitido às novas gerações. A triagem entre o que deve ser assumido e o que merece o caixote do lixo, nem sempre é fácil.
A cultura moderna também tem os seus defeitos e virtudes. Nem tudo o que é novo é bom. É fácil cair na superficialidade, na moda pela moda (ou porque está na moda), a chamada cultura descartável nada tem a ver com a inovação de qualidade. Esta é um contributo do inédito, do que vai enriquecer o património da humanidade. Há dimensões da realidade humana que nascem no tempo, mas que ficam para a “eternidade”: uma obra de arte, seja qual for a expressão artística, conserva a sua frescura passados milhares de anos. Há outras realidades que devem desaparecer assim que foram realizadas. São puramente funcionais.
2. A 28 e 29 de Outubro realizou-se a 25ª edição das Jornadas Culturais de Vila das Aves, eram as suas bodas de prata. O tema geral era Cidadania e Cultura. A iniciativa destas Jornadas está ligada à Paróquia de S. Miguel das Aves, que nunca as abandonou e à Câmara Municipal de Sto. Tirso que depois as assumiu, sem rotura com a história paroquial. Este ano, a reflexão ( acompanhada pela Oficina de Música do Grupo Coral de Vila das Aves) incidiu sobre a cultura como prática cidadã através de dois binómios: Cidadania / Sociedade e Cultura / Religião. Neste sentido, estas Jornadas propunham-se aprofundar as seguintes questões: 1º Quais serão as formas actuais de construção e transformação da sociedade através do exercício da cidadania?, 2º Para responder aos desafios sociais impostos pela crise actual, qual o papel das associações dos grupos e das pessoas?, 3º Por outro lado, quais os efeitos previsíveis do diálogo entre as culturas religiosas e as culturas laicas para uma cidadania assumida, tendo em conta a sua complexidade?.
3. O programa foi realizado dada a eficácia da actuação dos serviços da Câmara, sempre apoiados pelo seu Presidente. A mim coube-me a coordenação à distância. Tive a sorte de obter uma resposta rápida aos convites feitos a: Dr Guilherme Oliveira Martins, Dr. Manuel Pinto, Dra. Teresa Toldy, Dr. Eduardo Duque e Dr. Miguel Oliveira da Silva.
O meu espanto não veio das excelentes conferências dos diversos painéis. Conhecia as pessoas e previa respostas de muita qualidade. O que me surpreendeu foi o contacto com a história e o balanço que dela fez o Presidente da Câmara: uma aposta na cultura local, mas sem nenhum regionalismo. Pelo contrário, as Jornadas estiveram sempre em diálogo com os grandes tema nacionais e internacionais. Trata-se de uma zona industrial afectada, desde há muito, pelas transformações que afectaram a própria indústria têxtil. Se é uma desolação olhar para fábricas enormes que trabalhavam ininterruptamente, ver agora, muitas delas, abandonadas, de vidros partidos, também é encorajador ver as transformações que foi possível realizar para que este passado recente não fosse apenas um desastre. Agora, com o desemprego sem perspectivas vai ser mais difícil. Neste contexto a aposta em várias vertentes culturais não deixará de ter boas consequências em termos económicos e sociais. Vila das Aves e as suas gentes estão mesmo de parabéns.
Frei Bento Domingues
2011.11.01
30 outubro 2011
Encontro em Assis
Leio nos jornais que o Papa Bento XVI, quem diria, assumiu o “espírito de Assis” neste dia 27 Outubro, 25 anos depois do chamado Primeiro Encontro de Assis, quando o Papa João Paulo II reuniu 130 líderes das grandes religiões do mundo na Basílica de São Francisco, em oração pela justiça e pela paz. Agora, foram 300 os cristãos e não cristãos em ritual inter religioso, em consenso no apelo do Papa também à liberdade, contra a violência, o terrorismo. Novidade absoluta, o convite a mais cinco intelectuais agnósticos, a reflexão sobre os humanismos cristão e não cristão, as vivências religiosas na cultura contemporânea, as responsabilidades de consciência. Recordo o apelo para os “Sinais dos Tempos” do Papa João XXIII e o “Não tenhais medo”, de João Paulo II, para lhes acrescentar a frase de Bento XVI agora, em Assis: “ A viagem do espírito é também uma viagem de paz.”
Volto atrás, porque aprendo que em 1986 o Cardeal Ratzinger não aderiu a Assis. Mas imagino que a iluminação do Espírito Santo acrescentada à sua grande inteligência humana, o conduz, como Papa Bento XVI, quando exprime o pensamento sobre este encontro/peregrinação, sinal do “desejo de trabalhar em conjunto por um mundo melhor.”
E reparo que, como sempre, católicos tradicionais, militantes dos movimentos conservadores, criticam. Leio blogues indignados, a acusar a permissividade nas presenças em Assis. A crítica por não ter havido um momento de oração comum. O horror à participação de agnósticos, ainda por cima intelectuais. Que pena, nestas pessoas, a ignorância, a recusa da realidade, o não entendimento da Palavra de Jesus, tão viva, o Amor feito Paz, para as convulsões do nosso tempo.
Assisti, no Teatro Cinearte, ao monólogo de Maria do Céu Guerra, no papel de Dona Maria I. “ O caminho das ideias, Deus o traçou sobre pedras escorregadias,” diz a certa altura. Gostei do som e do sentido. Gosto de pensar neste Encontro de Assis. Peço a Deus pela Paz, pela Justiça e pela Liberdade, pronta para me defender de paus e pedras no caminho.
Leonor Xavier
9 de Outubro 2011
22 outubro 2011
A nova evangelização
Li com curiosidade um artigo recente sobre o Concílio Vaticano III e o mesmo deixou-me a pensar. De facto apresentam-se questões e argumentos que são da máxima importância para o presente e o futuro da Igreja mas, afinal, que Igreja temos no concreto? Como vivemos nós católicos a Igreja que somos? Politicamente diz-se que os portugueses são um povo pouco participante e até reconhecidamente de brandos costumes. Em resumo aceitamos tudo com uma passividade que a outros povos seria impensável. Será que em Igreja também somos assim?
Alguns exemplos levam-me a crer que sim. Em quantas igrejas a homilia é pronunciada perante uma instalação sonora completamente obsoleta ou num timbre de voz completamente inadequado ou o sacerdote balança a cabeça para os lados esquecendo que o microfone está virado para a frente e ninguém diz absolutamente nada? Em quantas igrejas temos grupos ditos corais que cantam a várias vozes, aliás tantas quantas as que compõem o dito, e ninguém reclama?
Enfim são apenas duas caricaturas de situações que infelizmente todos os católicos já presenciaram.
Outras situações são contudo mais preocupantes porque substancialmente mais graves e são de facto essas que me preocupam enormemente:
1. Será normal assistir de braços cruzados à crescente centralização nos padres de actividades que pela sua complexidade técnica e de gestão deveriam ser desempenhadas por leigos? Quantos cargos de pura administração ou gestão financeira são cada vez mais ocupados por leigos em estruturas ou empresas ligadas à Igreja? Quantos casos ao nível paroquial, diocesano e nacional?
2. Será normal que se façam nomeações de párocos como quem joga peças de xadrez passando por cima das necessidades das comunidades cristãs e das suas vontades colocando padres extremamente válidos em paróquias sem ninguém e colocando outros sem qualquer iniciativa que não seja o mero formalismo do culto em paróquias jovens e dinâmicas?
3. Será normal que em vez do espírito de pastor que deve nortear a actividade dos priores, incentivando e permitindo que as comunidades cresçam e se fortaleçam sendo eles verdadeiros portadores de um espírito vivificador da comunidade, seja, afinal, cada padre um detentor da sua razão que impõe à comunidade, fazendo, muitas vezes, tábua rasa de tudo o que existiu até aí?
4. Podemos aceitar que porque a um bispo não agrada o estilo de determinado padre o retire de uma paróquia e dê ordens expressas ao seu substituto para fazer as coisas como ele bispo as quer? E se essas coisas forem tão graves como esse padre ter dado algumas vezes a comunhão sob as duas espécies, ter chamado as crianças para o pé de si no altar ou ter mudado o ambão de local?
5. Podemos aceitar que um bispo dê instruções explícitas ao novo prior para que o prior cessante ou qualquer membro da comunidade não possa falar na Eucaristia de investidura do novo pároco e que o mesmo bispo ignore completamente na mesma cerimónia o prior cessante quer como pessoa quer ao nível do trabalho por ele realizado? Onde está a Igreja-Comunhão ou melhor, onde está a delicadeza e o reconhecimento?
6. Podemos aceitar que uma celebração de investidura de um novo pároco seja preparada à margem da comunidade e dos dois párocos (cessante e futuro) indo ao cumulo de se levarem os paramentos para tornar a cerimónia mais digna envergonhando e espezinhando com essa atitude a comunidade e retirando-lhe qualquer tipo de iniciativa numa cerimónia que é sua?
Vivi presencialmente estas situações nos últimos dias na diocese de Lisboa. Sinceramente, ao assistir a estes tristes acontecimentos, pouco me preocupa se devemos insistir mais ou menos no Vaticano II ou se devemos partir para o terceiro. Podemos, como Igreja, bater a mão no peito e fazer mea culpa pelos erros do passado mas é a mesma prepotência, é a mesma ânsia de poder, é o mesmo clericalismo feroz que não aceita o leigo e o trata como pobre pecador.
Hoje, como sempre, Deus está com o pecador, com o que sofre e com o humilde; o resto é uma triste caricatura que, infelizmente, hoje como no passado, quer manter a sua aparência rezando “Obrigado Senhor por não ser um pecador como estes homens”. E assim cada vez mais se assiste ao descrédito da Igreja. É preciso uma nova evangelização. Mas essa nova evangelização exige pastores diferentes na sua maneira de estar, exige uma Igreja em que o leigo tem que assumir o seu verdadeiro papel e estatuto e em que o padre, o bispo e o papa não são actores solenes de uma representação teatral que cada qual tenta fazer melhor para sua glória pessoal mas são verdadeiros pastores que se colocam como servos ao serviço de todos.
Recordo-me de uma senhora já velhinha que depois de assistir ao sermão de Domingo de Páscoa me disse: “ O senhor Prior fez uma homilia linda. Não percebi nada do que ele disse mas ele falou muito bem!”
Se a velha evangelização falhou de quem é a culpa? Temos que começar por dentro.
17 outubro 2011
Casados de fresco; homilia e acolhimento
Fui recentemente a dois casamentos, ambos de católicos "praticantes".
O que se passou nas respectivas cerimónias religiosas dá que pensar!
No primeiro caso, tratava-se de um casal de cerca de trinta anos, lisboetas, já a viver juntos. Amadurecida a relação, decidiram convocar os amigos e a família, mais de cem pessoas, para a grande festa de formalização do casamento. Conhecendo os convidados, a maioria bem longe de frequentar igrejas, reduziram a cerimónia religiosa ao rito propriamente dito, escolheram leituras e oração dos fiéis adequadas e convidaram amigos de um grupo coral que cantou lindamente dando um ar de festa à celebração. Os noivos estavam felizes, as famílias e amigos também, mas a desgraça foi o padre! Não achou melhor oportunidade do que alertar veementemente os presentes sobre o descalabro dos valores, dos casamentos de fachada, dos casamentos gay, dos divórcios e recasamentos, enfim, a lista é longa! Vinte minutos de homilia para "achincalhar" as pessoas presentes recusando a quem estava nessas situações (e eram vários) o simples título de casados por Amor.
Na fila à minha frente na Igreja dois jovens casais riam e gozavam a cada diatribe do padre. O ridículo não mata mas mói. Eu estava envergonhada por assistir a tantos anátemas, impotente a ver magoar as pessoas em causa sem poder fazer nada. Ainda pensei que sendo o padre padrinho do noivo, poderia falar com ele ao jantar e sugerir uma outra abordagem do tema mais consentânea com o acolhimento evangélico. Soube depois que ele se tinha escusado a ir à festa porque tinha terço e missa e estava cansado. Tal como eu, a reacção das pessoas da minha mesa na conversa posterior durante o jantar foi de consternação. Tínhamos assistido a tudo o que não deve ser uma homilia sobre o matrimónio católico. Se o padre se tivesse calado tinha prestado um excelente serviço à pastoral. Assim mostrou a face mais intolerante de algum pensamento católico sobre o tema.
Felizmente por vezes as homilias são inclusivas, acolhedoras e por isso mesmo desafiantes.
O segundo caso é exemplo disso mesmo. Durante o verão um casal canadiano-português aproveitou as férias para formalizar o seu casamento. Ambos na casa dos cinquenta e com vivências anteriores muito ricas, encontraram-se finalmente no Quebeque, onde vivem juntos e na segunda metade da vida decidiram casar. Não era fácil preparar uma celebração trilingue; português, inglês e francês mas fizeram-no na perfeição. Contactado o padre, amigo de longa data da noiva, os noivos prepararam o caderninho da liturgia, escolheram tudo, mesmo tudo, trocando perspectivas via e-mail e telefone com o padre até à versão final. No grande dia, apenas duas filas de família e amigos chegados preenchiam a enorme igreja. Os noivos e o padre acolheram cada pessoa apresentando os estrangeiros e possibilitando que ao começar a celebração todos soubessem exactamente quem era quem e porque é que ali estava. Neste ambiente acolhedor as barreiras linguísticas e outras caíram, cada um na sua circunstância foi acolhido e a homilia foi disso mesmo reflexo.
Era para aqueles noivos únicos com um percurso singular, era para aquelas famílias concretas(estivessem ou não canonicamente constituídas) sobre tudo sentia-se que ali se celebrava o Amor, ora é isso mesmo que faz com que um casamento seja sinal do Amor maior. A homilia deve apenas situar concretamente essa dimensão de acolhimento do Amor. Nem mais, nem menos!
AFF
17.10.2011
10 outubro 2011
Início
Gosto muito de estar atenta aos sinais que se atravessam no meu caminho.
Foi o que aconteceu com o Movimento Internacional Nós somos Igreja - para mim em 1996 - a sua história pode ser vista e revista em dúzias de sítios incluindo o oficial - www.we-are-church.org/pt. Desde então, juntamente com um sem número de pessoas, em Portugal e noutras pastagens, fomos caminhando, numa atitude de fé, de esperança e espera-se também, de caridade, levantando questões que cremos podem e devem ser reflectidas pelos membros o Povo de Deus, ou seja a comunidade dos baptizados. Por vezes perguntam-nos: mas porque não mudam de Igreja, onde as vossas propostas já foram aceites? A minha resposta é: nasci e cresci nesta Igreja, amo-a e não quero sair. A minha consciência e a minha vontade, ambas tão preciosas aos olhos de Deus, levam-me a integrar um movimento que pensa que «outra Igreja é possível».
Ana Vicente.
06 outubro 2011
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