É arriscado fazer um balanço do
pontificado de Francisco pois o tempo decorrido não é suficiente para termos
uma visão de conjunto. Numa espécie de leitura de cego que capta apenas os
pontos relevantes, poderíamos elencar
alguns pontos.
1.
Do inverno ecclesial à primavera: saimos de dois pontificados que se
caracterizaram pela volta à grande disciplina e pelo controle das doutrinas.
Tal estratégia criou uma espécie de inverno que congelou muitas iniciativas.
Com o Papa Francisco, vindo de fora da velha cristandade européia, do Terceiro
Mundo, trouxe esperança, alívio, alegria de viver e pensar a fé crista. A
Igreja voltou a ser um lar espiritual.
2. De uma fortaleza à uma casa aberta: Os dois Papas anteriores passaram
a impressão de que a Igreja era uma fortaleza, cercada de inimigos contra os
quais devíamos nos defender, especialmente o relativismo, a modernidade e a
pós-modernidade. O Papa Francisco disse claramente: “quem se aproxima da Igreja
deve encontrar as portas abertas e não fiscais da afândega da fé; “é melhor uma
Igreja acidentada porque foi à rua do que uma Igreja doente e asfixiada porque
ficou dentro do templo”. Portanto mais confiança que medo.
3. De Papa a bispo de Roma: Todos os Pontífices anteriores se entendiam
como Papas da Igreja universal, portadores do supremo poder sobre todos as
demais igrejas e fiéis. Francisco prefrere se chamar bispo de Roma, resgatando
a memória mais antiga da Igreja. Quer presidir na caridade e não pelo direito
canônico, sendo apenas o primeiro entre iguais. Recusa o título de Sua
Santidade, pois diz que “somos todos irmãos e irmãs”. Despojou-se de todos os
títulos de poder e honra. O novo Anuário Pontifício que acaba de sair cuja página inicial deveria trazer o nome do
Papa com todos os títulos, agora aparece apenas assim: Francesco, bispo de
Roma.
4. Do palácio à hospedaria: O nome Francisco é mais que nome; sinaliza
um outro projeto de Igreja na linha de São Francisco de Assis: “uma Igreja
pobre para os pobres” como disse, humilde, simples, com “cheiro de ovelhas” e
não de flores de altar. Por isso deixou o palácio papal e foi morar numa hospedaria, num quarto
simples e comendo junto com os demais hóspedes.
5. Da doutrina à prática: Não se
apresenta como doutor mas como pastor. Fala a partir da prática, do sofrimento
humano, da fome do mundo, dos imigrados da África, chegados à ilha de
Lampedusa. Denuncia o fetichismo do dinheiro e o sistema financeiro mundial que
martiriza inteiros países. Desta postura resgata as principais intuições da
teologia da libertação, sem precisar citar o nome. Diz:”atualmente, se um
cristão não é revolucionário, não é cristão; deve ser revolucionário da graça”.
E continua:”é uma obrigação para o cristão envolver-se na política, pois a
política é uma das formas mais altas da caridade”. E disse à Presidenta
Cristina Kirchner:”é a primeira vez que temos um Papa peronista” pois nunca
escondeu sua predileção pelo peronismo. Os Papas anteriores colocavam a
política sob suspeita, alegando a eventual ideologização da fé.
6. Da exclusividade à inclusão: Os
Papas anteriores enfatizaram, especialmento Bento XVI a exclusividade da Igreja
Católica, a única herdeira de Cristo fora da qual corre-se risco de perdição. O
Francisco, bispo de Roma, prefere o diálogo entre as Igrejas numa perspectiva
de inclusão, também com as demais religiões no sentido de reforçar a paz
mundial.
7. Da Igreja ao mundo: Os Papas
anteriores davam centralidade à Igreja reforçando suas instituições e
doutrinas. O Papa Francisco coloca o mundo, os pobres, a proteção da Terra e o cuidado pela vida
como as questões axiais. A questão é: como as Igrejas ajudam a salvaguardar a
vitalidade da Terra e o futuro da vida?
Como se depreende, são novos ares, nova música, novas palavras para
velhos problemas que nos permitem pensar numa nova primavera da Igreja.
Leonardo
Boff
26/07/2013
Leonardo Boff é teólogo e autor de Francisco
de Assis e Francisco de Roma, Editora Mar de Ideias, Rio 2013.
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