1.
Para muita gente, o
que parece é e, ao que parece, temos dois papas. Vestem-se ambos de branco,
usam ambos um solidéu branco, os sapatos são diferentes. Um escreve a encíclica
para o outro a publicar com a sua assinatura, mas declarando que não foi ele que
a escreveu. O seu a seu dono, sem se saber quem é o dono. Os meios de
comunicação informaram que, para a viagem ao Rio de Janeiro, o Papa Francisco
foi-se aconselhar com o ex-Bento XVI. Quem andava assustado com o desembaraço
deste Papa, gosta de saber que ele se aconselha com a sisudez de Ratzinger.
Para os tempos que correm e para enfrentar os lobos do Vaticano, dois papas não são demais.
Esta parece conversa
de quem não quer que se toque no poder da Cúria, nas vergonhas do Banco do
Vaticano e se distrai com um regime de indulgências a bom preço e de fácil
acesso, a qualquer hora e lugar: basta ver, escutar e twittar.
Penso que o Papa
Francisco tem seguido um bom caminho. Julgava-se que João Paulo II, além do
contributo dado para a queda do Muro de Berlim, pelas suas imensas viagens,
servidas pelos grandes meios de comunicação, tirava a Igreja das sacristias.
Fazia dela o grande acontecimento mediático do século e restituía-lhe o seu
esplendor perdido. Esquecia-se algo de muito banal: os meios de comunicação são
um negócio; ganharam muito com as movimentações mundiais do papa polaco e
ganharam imenso com as continuadas denúncias em torno da pedofilia de gente da
Igreja e com a lentidão do Vaticano, em reagir a esses escândalos. E isso foi
só o começo. Acentuaram-se os rumores em torno do banco do Vaticano: bispos,
clérigos e leigos são acusados de fazerem parte de uma máfia de corrupção,
cujos contornos estão ainda longe de serem conhecidos. Tudo acontece com a
cobertura da Cúria Vaticana, a ponto de não se saber os laços que unem o poder
do dinheiro e o poder da Cúria. Quem serve quem e quem encobre quem?
Quando Bento XVI abre
um bocadinho do véu descobre que há um mundo ainda mais podre do que ele
suspeitava e, perante o qual, manifesta a sua incapacidade. O grande teólogo, o
que parecia saber muito dos mistérios de Deus, confessou que os mistérios do
Vaticano o ultrapassavam.
2. Disse que o Papa Francisco tinha
seguido um bom caminho, pois recusou meter-se naquele vespeiro. Para isso
encarregou algumas pessoas de uma preliminar tarefa de limpeza, sabendo que não
era uma decisão infalível. Se não desse certo, outras seriam escolhidas. A
missão própria do Papa tem de ser outra: encontrar-se com os que sempre ficaram
na periferia, do mundo e da igreja, os
sem voz nem vez. Vários gestos marcaram, desde logo, essa opção. Nesse
sentido, o encontro de Lampedusa é muito mais significativo do que a ida ao
Rio, que segue os moldes estabelecidos por Wojtyla, em 1984.
O Papa
Francisco mostrou que a reforma central do Vaticano tem de começar por gestos,
atitudes, iniciativas, decisões que mostrem o que é e deve ser a Igreja e o
Papa. Nenhuma reforma burocrática pode substituir as transformações da
consciência de ser Igreja: um povo de mulheres e homens que se vão descobrindo
como membros de uma grande família, ao serviço de toda a humanidade. Se o Papa
não fôr o primeiro a testemunhar que este é o caminho, será o primeiro a
desviar as pessoas do caminho de Cristo.
3. O Papa não é para suceder a Jesus Cristo, mas para o seguir e tornar
presente a sua mensagem no mundo de hoje. Nem ele nem os outros cristãos podem
esquecer o que aconteceu nas relações dos discípulos com o Mestre e os
principais obstáculos que Jesus teve de vencer, para que eles pudessem entender
o seu projecto: só há reino de Deus quando os seres humanos se forem tornando e
sentindo cada vez mais irmãos, esboço do mundo como família de Deus.
Jesus
constituiu um grupo. Este levou muito tempo a compreender o seu projecto. Em
certo sentido, os discípulos só o entenderam depois da ressurreição e do
trabalho evangelizador das mulheres, as discípulas que nunca lhe exigiram nada.
Eles queriam o poder de dominação. Dois, até se adiantaram para serem os
primeiros da sua Cúria, passe o anacronismo
(Mc 10, 14-45). Nunca entenderam as posições de Cristo sobre os perigos da
riqueza e a incompatibilidade em servir a Deus e ao Dinheiro. O pobre banqueiro
do grupo, ao ter esquecido o elementar, trocou Jesus por “30 dinheiros”. A
outra dificuldade com que Jesus se debateu foi o do primado das normas e
observâncias religiosas, sem ética, sobre as pessoas. Isto valeu o grande
princípio: não é o ser humano
para o Sábado, mas o Sábado para o ser humano. Este é um
princípio universal: vale no campo da economia, da finança, do direito e da
pastoral dos sacramentos. Vale no campo civil e religioso.
A reforma da
Igreja e das suas instituições exige reflexão teológica de qualidade. Nas
últimas crónicas insisti na Paciência com Deus,
de Tomáš Halik. Para as férias recomendo a última obra de Timothy Radcliffe, uma teologia cheia de humor. O título em português é um bocado parado: Imersos na Vida de Deus, Viver o Baptismo e a Confirmação, Paulinas, 2013.
No original inglês sugere uma piscina ou uma praia: mergulhe (Take the plunge).
Boas férias e
até Setembro, se Deus quiser.
Frei Bento Domingues,
O.P.
28.07.2013
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