30 julho 2013

[Sobre a Teologia da Libertação] Ratzinger, Boff e Bergoglio

 
Ratzinger e Boff se conhecem desde finais dos anos sessenta. Dez anos depois, o mecenas converteu-se em detetive

Os teólogos Joseph Ratzinger e Leonardo Boff se conhecem desde finais dos anos sessenta, quando este estudava teologia na Alemanha. O apreço era mútuo, ao ponto de Ratzinger dar, de seu próprio bolso, ao novo doutor brasileiro 14.000 marcos para que publicasse sua tese doutoral. Porém, pouco mais de 10 anos depois, a relação mudou: o mecenas converteu-se em detetive. O cardeal Ratzinger, após assumir a presidência da Congregação para a Doutrina da Fé, convocou Boff ao Vaticano e o sentou na cadeira de Galileu para julgar seu livro Igreja: carisma e poder.

O teólogo brasileiro chegou a Roma acompanhado pelos cardeais Aloisio Lorscheider, presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo, ambos pertencentes à ordem franciscana, a mesma de Boff. O veredito foi a imposição de um tempo de "silêncio obsequioso”, que Boff aceitou, apesar de não estar de acordo, exercendo a virtude da humildade e pronunciando uma frase que tornou-se proverbial: "Prefiro caminhar com a Igreja, que ficar só com minha teologia”. Quando lhe impuseram silêncio, ele respondeu com a canção de Atahualpa Yupanqui: "La voz no la necesito. Sé cantar hasta en el silencio”. Ainda bem que o cardeal não lhe exigiu a devolução do dinheiro que lhe havia doado.

No início dos anos noventa, Boff foi objeto de um novo processo. O Vaticano impôs censura prévia a todos seus escritos. Foi separado da cátedra de Teologia por tempo indeterminado. Foi afastado da Revista Vozes e a Editorial Vozes e suas revistas foram submetidas à censura. De novo, o autor de tamanha negação dos mais elementares direitos humanos era o cardeal Ratzinger.

Cabe recordar que uns dias antes da condenação de 1984 havia aparecido a Instrução da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé sobre ‘Alguns Aspectos da Teologia da Libertação’, que a condenava sem paliativos. Assim, começava a cruzada contra essa corrente teológica, que continuou durante todo o pontificado de João Paulo II. A cruzada ficou mais forte com Bento XVI como papa, que, em 2007, condenou a Jon Sobrino e, em 2009, afirmou que a Teologia da Libertação havia provocado consequências "mais ou menos visíveis” como "rebelião, divisão, dissenso, ofensa e anarquia”, que havia criado entre as comunidades diocesanas "grande sofrimento ou grave perda de forças vivas” e que "suas graves consequências ideológicas conduzem inevitavelmente a trair a causa dos pobres”.

Francisco será capaz de reverter a situação e tornar a condenação sem misericórdia da Teologia da Libertação de seus predecessores em respeitosa acolhida em atitude de diálogo? Reabilitará os teólogos condenados? Reconhecerá como mártires as teólogas e teólogos mortos por amor à justiça que brota da fé?

Sua visita ao Brasil, um dos lugares mais emblemáticos onde se cultiva e se vive a Teologia da Libertação, pode ser uma boa oportunidade. Não deveria deixá-la passar.

Juan José Tamayo

in Adital

Tradução: ADITAL

[Juan José Tamayo é diretor da cátedra de Teología y Ciencias de las Religiones, da Universidad Carlos III de Madri e autor de ‘La teología de la liberación en el nuevo escenario político y religioso’ (Tirant lo Blanc, 2010)].

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