1. Dizem-me que Deus deveria mandar
encerrar as suas agências de publicidade, pois onde mantêm o monopólio do
mercado religioso, a sua invocação foi-se tornando um susto, uma ameaça; onde
há liberdade religiosa, cada uma pretende ser a única com garantia
sobrenatural, todas a fazer de conta que a divindade é sua propriedade privada
e exclusiva.
S.
Mateus, ao fazer uma imaginária avaliação do sentido da história humana, contou
uma parábola que denuncia a cegueira religiosa: a relação mais realista com
Deus acontece, sem se dar por ela, quando se vai, sem cálculo, sem expectativa
de recompensa, em socorro de quem precisa, só e simplesmente porque precisa.
Deus não é uma presença ostensiva. É uma clandestinidade imensa. É, de facto,
necessária muita paciência para O reconhecer nos tempos, lugares e percursos
humanos, pois acontece de forma imprevisível (Mt 25, 31-47).
Prometi,
por isso, voltar ao celebrado livro, Paciência
Com Deus, de Tomáš Halík,
(Paulinas Editora). É um suave diluente das certezas eclesiásticas
reconstruidas, de modo estridente, nos anos 80-90, com encíclicas, catecismos,
direito canónico e drásticas medidas disciplinares. Recupera, com mansidão, a
memória interdita dos “padres operários”, o sentido da teologia da libertação,
os caminhos ocultos de Deus na sociedade secular ocidental, sem se perder nas
disputas e desavenças entre “conservadores” e “progressistas”. Isso não
significa, porém, que o seu ideal seja um certo “Cristianismo não eclesiástico
- irreal, vago e desligado da história ou da sociedade - e, ainda menos, uma
religiosidade enevoada e esotérica, estilo “New
Age”. Procura, sobretudo, que a ideia ambígua do “crente padrão” não sirva
para desclassificar os que procuram um caminho.
O
tecido desta obra é construído por tudo o que tem sido desvalorizado, ocultado,
marginalizado ou desfigurado na apologética eclesiástica e pelos
“autoconvencidos da religião”. A sua companhia preferida é a dos místicos que
viveram a noite da fé, mesmo na hora da morte, como Terezinha de Jesus e dos
classificados como cépticos, agnósticos e ateus, todos os que encaram a vida
como uma viagem ou têm dificuldade em viajar pelos tropeços que lhes lançaram
para o caminho.
2. O próprio autor manifesta as preocupações que o levaram a escrever.
Conta que, certo dia, viu na parede da estação do metro, em Praga, a inscrição:
“Jesus é a resposta”, provavelmente escrita por alguém no regresso de alguma
fogosa reunião evangélica. Outra pessoa acrescentara, com toda a propriedade:
”Mas qual era a pergunta?”
Isto
fez-lhe lembrar o comentário do filósofo Voegelin: para os cristãos o que mais
conta não é terem as respostas certas, mas terem-se esquecido de qual era a
pergunta, para a qual eles próprios eram a resposta. Há que confrontar
perguntas e respostas para devolver um verdadeiro sentido às nossas afirmações.
A verdade acontece ao longo do
diálogo. Temos de passar de respostas aparentemente definitivas para infinitas
interrogações. Ter fé significa passar para uma caminhada infindável, entrar
para o coração do inesgotável mistério, poço sem fundo.
Com
a sua teologia descontraída e a sua “piedade tímida”, não estará o autor da Paciência com Deus, a enfraquecer e a
desmobilizar as ardentes campanhas lançadas com o rótulo de Nova Evangelização
e de Jornadas Mundiais da Juventude? Certamente que não. O que realmente o
preocupa é aquilo que essas campanhas são tentadas a ignorar ou a descuidar: o
tempo de escuta e de atenção a quem anda por outros caminhos, por carreiros e
lugares “mal frequentados”. O próprio Jesus já tinha sido acusado de andar em
más companhias.
3. Concordo, diz Halík, com os ateus em
muitas coisas, em quase tudo… excepto no que diz respeito à sua não crença de
que Deus existe. Perante o bulício mercantil de artigos religiosos de todo o
género, eu, com a minha fé cristã, por vezes, sinto-me mais próximo dos
cépticos, dos ateus, dos agnósticos, críticos de religião. Com certo tipo de
ateus partilho um sentimento de ausência de Deus no mundo. Contudo, considero a
sua interpretação de tal sentimento demasiado precipitada, como que uma
expressão de impaciência. Muitas vezes, também me sinto oprimido com o silêncio
de Deus e pela sensação do afastamento divino. Percebo que a natureza
ambivalente do mundo e dos inúmeros paradoxos da vida pode dar origem a
expressões tais como “Deus morreu”, para explicar o facto do ocultamento de
Deus. Consigo, apesar disso, encontrar outras interpretações possíveis da mesma
experiência e outra atitude possível frente ao “Deus ausente”. Conheço três
formas de paciência (mútua e internamente interligadas), para confrontar a
ausência de Deus. São elas: a fé, a esperança e o amor.
No
entanto, se, para Halík, a paciência é aquilo que considera a principal
diferença entre fé e ateísmo, não esquece que o ateísmo, o fundamentalismo
religioso e o entusiamo por uma fé demasiado fácil, têm em comum a rapidez com
que se abstraem do mistério ao qual chamamos Deus. Além disso, há tantos tipos
de ateísmo como de fé. Eis a questão a que é preciso
Frei
Bento Domingues, O.P.
14.07.2013
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